quinta-feira, 30 de maio de 2013

Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana

MOURA, G. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Atualmente a cultura brasileira pode ser visto como um misto entre o que se produz aqui e fora do país. O estrangeirismo e suas marcas foram incorporados à vida no Brasil há muito tempo. O que o livro de Gerson Moura faz é lançar um olhar justamente sobre quando e por que a cultura norte-americana chega ou invade o nosso país propagando o “american way of life”. Contudo, esse padrão de influencia cultural esconde propósitos políticos daquele memento e para o futuro, além de se dar em uma via de mão dupla, porém com um fluxo muito maior de lá pra cá.
No cenário internacional, o período que antecede a Segunda Guerra Mundial se desenvolve num ambiente de depressão econômica e o surgimento de governos ultranacionalistas e regimes ditatoriais que se propõem a resolver as questões sociais e econômicas de seus territórios. Uma fase marcada por protecionismos, diminuição do comércio internacional e reforço de laços imperiais das potências europeias. O Brasil de Getúlio Vargas estreitava relações com a Alemanha por meio do comércio de compensação, trocas de produtos sem a necessidade do uso da libra ou do dólar como moeda intermediadora. O país europeu ainda propagava sua ideologia nazista por meio da propaganda para criar simpatia à causa.
Todo este quadro de proximidade entre Brasil e Alemanha preocupava os Estados Unidos que vinha de uma política mais dura com a sua vizinhança americana, fruto da política conhecida como big stick, que foi a forma como o país interviram na região do Caribe e demais países sob comando do presidente Theodore Roosevelt. No final da década de 1920 os governos latino-americanos começam a propagar as ideias de autodeterminação dos povos e valorizam a não-intervenção de outros países em suas políticas. Neste quadro de relativo afastamento, Franklin D. Roosevelt, eleito presidente dos Estados Unidos em 1933 inicia uma política de boa vizinhança. No lugar do caráter mais intervencionista e autoritário do Roosevelt anterior, esse novo governo começa a planejar uma interferência velada, por vias da comunicação, ideologia e da cultura. Um dos objetivos claros dessa política era cortar as relações da América Latina com a Alemanha. Os países do continente eram peça chave no neocolonialismo que acontecia com a Segunda Guerra Mundial e vendo sob esta ótica, a atuação dos norte-americanos sobre nossa região não deixa de ser uma competição pela conquista do território por meio da política e da dominação das mentes e corações e não por meios bélicos.
O meio desenvolvido para os norte-americanos entrar nessa briga foi a criação de um Birô em 16 de agosto de 1940, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs. Seus objetivos eram enfrentar as influências do Eixo nos países americanos e consolidar a posição de grande potência dos Estados Unidos. Estava em questão aí a segurança da nação e a posição econômica norte-americanas. No plano econômico, o Birô atuou para garantir suprimentos para os Estados Unidos e diminuir o fornecimento de matérias primas para a Alemanha por meio da compra de excedentes de produção e de materiais estratégicos da América Latina. Além disso, atuou sobre a saúde, a nutrição e a comunicação em seus países vizinhos. Segundo Moura, o Birô tinha quatro divisões: comunicação, relações culturais, saúde e comercial/financeira. Tentava se vender a ideia de democracia para uma América Latina marcada por ditaduras, portanto este era um produto sem muita aceitação no mercado. No lugar disso, o Birô pensou em interesses em comum, formulando a ideia de pan-americanismo.
“uma realidade fundada em ideais comuns de organização republicana, na aceitação da democracia como um ideal, na defesa da liberdade e dignidade do indivíduo, na crença na solução pacífica das disputas e na adesão aos princípios de soberania nacional” (MOURA: 1984, p. 24).
A questão do Brasil neste programa de influências norte-americana era chave devida a sua posição geográfica e política que afetava a posição de vários outros países desta parte do continente. Além disso, nosso país fornecia materiais essenciais para o esforço de guerra como borracha, manganês, minério de ferro, cristais de quartzo, areias monazíticas, óleos vegetais e plantas medicinais.
Das divisões do Birô, a que mais se destaca por sua atuação e influência foi a divisão de informações. Esta foi uma das áreas de atuação no Brasil, junto dos esforços na saúde e de alimentação. Estas duas tiveram propósitos em comum. Devido ao interesse de estabelecer bases militares no Brasil, era necessário garantir condições mínimas de sobrevivência para os soldados norte-americanos em solo amazônico. Neste sentido o objetivo era claro e usava, para tanto, os projetos de controle da malária, assistência médica a trabalhadores, treinamento de médicos e enfermeiras, melhoramentos das condições sanitárias por um lado a questão da saúde, e por outro o da alimentação por meio do auxilio no suprimento de alimentos prejudicados pelos problemas da guerra, fornecimento da técnica para a solução dos problemas agrícolas e nutricionais e o fortalecimento de um espírito de boa vontade por meio de programa agrícola cooperativo. Além da questão militar, esses benefícios incentivados também olhavam para a "batalha da borracha” e para a extração de minérios, ou seja, também garantia o suprimento para os esforços de guerra.
No campo da informação, o Birô disseminou a penetração cultural em cinco seções: imprensa, rádio, filmes, análises de opinião pública e ciência/educação. Por meio da imprensa os Estados Unidos conseguiram uma disseminação de notícias favoráveis ao governo norte-americano com o uso das suas melhores agências de notícia, a United Press e Associated Press.
“O trabalho do Birô Interamericano no Brasil se revestia, portanto, de um aspecto político vital: era necessário ganhar corações e mentes dos líderes políticos e militares brasileiros, sem cuja cooperação os planos estratégicos dos Estados Unidos iriam por água abaixo” (MOURA: 1984, p. 31)
Além das notícias, essa seção também atuava com subsídios aos jornais e revistas brasileiros, incentivos de anúncios de empresas norte americanas nos meios de comunicação daqui e criação e distribuição de folhetos. Além da cultura, esta ação também tinha como finalidade “assegurar uma reserva de mercado no continente para o pós-guerra” (p. 35). Na área cinema, a orientação era evitar a divulgação de filmes que ridicularizassem ou questionassem qualquer instituição norte-americana ou os países latino americanos. Nesta época os bandidos deixaram de ser os mexicanos. Havia intercãmbio e visitas de artistas entre os países. Artistas norte-americanos divulgavam a sétima arte por aqui, e artistas brasileiros, temperados para o sabor dos Estados Unidos, divulgavam a cultura tupiniquim na terra do Tio Sam. Também foram investidos esforços nos documentários que reforçavam a ideia de superioridade e poderio bélico norte americano e a natureza e a produção de bens primários latino americanos. No rádio eram produzidos programas da perspectiva da guerra psicológica do governo americano e era dirigido por especialistas de propaganda. Foi elaborada uma rede informativa com adesão de várias rádios da América Latina divulgando notícias e opiniões pró-Estados Unidos. Já na ciência e educação, foram feitos programas de assistência e intercâmbio entre os países. Moura observa que essa toca de conhecimentos se dava da seguinte forma: especialistas norte-americanos vinham até o Brasil ensinar e os estudiosos brasileiros iam até os Estados Unidos aprender – uma mão de via única também, portanto.
“A informação, divulgada e controlada pelo Birô, visava não só ganhar a batalha ideológica contra o fascismo (o alemão, em particular), como também afirmar um liberalismo específico, modelar, por ele mesmo chamado de ‘American way of life’”(p. 52).
Preocupados com a possível limitação da capacidade de exportar dos países latino americanos, os Estados Unidos propõem remédios bilaterais e multilaterais. Estes foram oferecidos por meio do organismo continental Inter-American Development Comission (IADC) que, por meio de estudos e planos, objetivava: 1) estimular e aumentar as exportações para os Estados Unidos; 2) estimular o comércio entre os países americanos; 3) encorajar a indústria nestes países, não a indústria pesada, mas sim a de bens básicos, bens de consumo. Moura ressalta que investimentos pesados não estavam nos planos do Tio Sam, mas a conquista de financiamento para Volta Redonda foi um ganho da posição de barganha privilegiada de Vargas.
“Tratava-se de um padrão de industrialização estritamente subordinada aos interesses econômicos americanos, reproduzindo em outro nível a velha complementaridade assimétrica” (MOURA: 1984, p. 62)
Já os remédios bilaterais davam conta de implementar o suprimento de matérias-primas, expandir os sistemas de transportes e ampliar a assistência financeira.
“Diante dessa tentativa de ‘intervenção cirúrgica’, os representantes de Londres no Rio concluíram que os americanos queriam fazer uma ‘limpeza na área’ com a finalidade de estabelecer para si mesmos um domínio comercial tranquilo após a guerra” (MOURA: 1984, p. 66) –
A atividade gerava uma acumulação de poder de compra, demanda acumulada. O Birô trabalhava no sentido de desenvolver um mercado que teria papel importante na manutenção do emprego e da renda da economia norte americana.
As atividades do Birô terminam em 1946, mas as influências norte americanas sobre o Brasil precisavam ser mantidas por meio dos noticiários jornalísticos. Com o governo Dutra vieram posições internas de anticomunismo identificadas com o combate a esses ideais pelos Estados Unidos. A nova orientação para o comércio internacional estabelecida em Bretton Woods tornou-se um dogma do governo brasileiro e reforçou-se a necessidade de exportação de bens primários e importação de bens manufaturados – uma medida que esgotou as divisas acumuladas pelo Brasil. Os Estados Unidos continuou preocupados com a educação dos brasileiros e incentivou programas de educação rural, para dar conta do problema agrário brasileiro para direcionar esse setor para uma competição lucrativa. No cenário de pós-guerra, o Plano Marshal dedicava grande atenção à reconstrução da Europa, mas também olhava para a América Latina pelo programa conhecido como Ponto 4, que se propunha a fornecer programas de assistência técnica e desenvolver a exploração de matérias primas nas áreas atrasadas. Já o foco nos países europeus era o reerguimento industrial, como contrapõe Moura.

No campo da informação, um mundo liberal e contrário à cortina de ferro socialista foi disseminado e abafava vozes distoantes deste discurso imposto pelos Estados Unidos. Havia, contudo, uma oposição brasileira por meio da música popular e também pro meio do movimento “O Petróleo é nosso” que foi contra um projeto de lei encaminhado pelo governo para o Congresso que permitiria presença de capital estrangeiro no refino e transporte de petróleo.

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