quinta-feira, 30 de maio de 2013

Relação entre economia política e desenvolvimento na problemática da transição para o capitalismo - TROTSKY (1906)

TROTSKY, Leon (1906). Balanço e perspectivas. São Paulo, Sundermann, 2011. Ou http://glem-r.blogspot.com/2010/08/balanco-e-perspectivas-leon-trotski.html
Introdução
O marxismo, desde há muito tempo tinha previsto que a revolução russa sairia inevitavelmente do conflito entre o desenvolvimento do capitalismo e as forças do absolutismo ossificado. Chamando a esta revolução uma revolução burguesa, o marxismo sublinhou que as tarefas objetivas imediatas da revolução consistiam em criar "condições normais para o desenvolvimento da sociedade burguesa tomada como um todo".

Capítulo I: Particularidades do desenvolvimento histórico da Rússia

Se compararmos o desenvolvimento social da Rússia com o dos outros países da Europa (...) poderemos dizer que a principal característica do desenvolvimento social da Rússia são a lentidão e o seu caráter primitivo.
Não insistiremos aqui nas causas naturais deste caráter primitivo, mas o fato, em si, é indubitável: a vida social russa edificou-se sobre as mais pobres e as mais primitivas bases econômicas. [materialismo histórico de Marx – importância do estudo da história para compreensão da atualidade]
O marxismo ensina que o desenvolvimento das forças produtivas determina o processo histórico-social. A diferenciação em classes e em estados, que é determinada pelo desenvolvimento da divisão do trabalho e pela criação de funções sociais mais especializadas, supõe que a parte da população que é empregada na produção material imediata produz um sobreproduto com relação ao que consome; é só apropriando-se deste sobreproduto que podem elevar-se e tomar forma as classes não-produtoras. Além disso, a divisão do trabalho entre as classes produtoras só é possível quando a agricultura atinge um grau de desenvolvimento suficiente para poder assegurar o abastecimento em produtos agrícolas da população não agrícola. Estas proposições fundamentais do desenvolvimento social tinham já sido formuladas claramente por Adam Smith.
A vida social russa, edificada sobre determinados fundamentos econômicos internos, não deixou de sofrer a influência e mesmo a pressão do meio exterior histórico-social.
Quando esta organização social e estatal, no decurso da sua formação, entrou em conflito com outras organizações vizinhas, o caráter primitivo das relações econômicas e o desenvolvimento comparativamente elevado dos seus adversários tomou um papel decisivo no processo que daí resultou. O Estado russo, nascido sobre uma base econômica primitiva, entrou em relações e em conflito com organizações estatais construídas sobre fundamentos mais elevados e mais estáveis.
[Frente a essa situação] ou o Estado russo sucumbiria nesta luta ou a elas se juntaria no desenvolvimento das relações econômicas, e absorveria muito mais forças vitais do que se tivesse ficado isolado. [Ao escolher a segunda opção] o Estado não se afundou, mas começou a crescer sob a terrível pressão das forças econômicas.
Foi um processo fundamentalmente idêntico que se desenrolou na Rússia. O Estado esforçou-se por utilizar o desenvolvimento dos grupos econômicos a fim de o subordinar aos seus próprios interesses especializados, financeiros e militares. Os grupos econômicos, dominantes, por seu lado, esforçavam-se, ao longo do seu desenvolvimento, por utilizar o Estado para consolidar as suas vantagens sob a forma de privilégios de estados. (...) Era pois natural que, sob a influência e a pressão do meio ocidental mais diferenciado, pressão transmitida pela organização militar-estatal, o Estado, por sua vez, se esforçasse por acelerar o desenvolvimento da diferenciação social sobre fundamentos econômicos primitivos.
A resultante deste jogo das forças sociais foi bastante mais favorável ao poder de Estado, do que na Europa ocidental. A troca de serviços, à custa das massas trabalhadoras, entre o poder de Estado e os grupos sociais superiores, que encontra a sua expressão na distribuição dos direitos e das obrigações, dos encargos e dos privilégios, era, na Rússia, menos vantajosa para a nobreza e para o clero do que nas monarquias medievais européias.
Na Rússia, pelo contrário, foi o Estado que criou os "estados" no seu próprio interesse.
O poder de Estado só pode apoiar, com todos os seus recursos, o processo econômico elementar que dá origem a formações econômicas mais elevadas.
A partir de um certo momento, sobretudo desde o fim do século XVII, o Estado procura por todos os meios acelerar a evolução econômica natural. Novos ramos do artesanato, máquinas e atelieres, produção em grande escala, capital, parecem ser de algum modo enxertos artificiais na árvore da economia natural. O capitalismo aparece como criado pelo Estado.
Deste ponto de vista, poder-se-á mesmo dizer que toda a economia russa é uma criação artificial do Estado, que ela foi enxertada artificialmente na árvore natural da ignorância nacional.
Foi por intermédio do Estado que as economias ocidentais influenciaram a economia russa. A fim de poder sobreviver no meio de países hostis e melhor armados, a Rússia viu-se constrangida a construir fábricas, a organizar escolas navais, a editar manuais sobre a arte das fortificações, etc. Mas se o curso geral da economia interna deste imenso país não tivesse sido nesta direção, se o desenvolvimento das condições econômicas não tivesse criado a necessidade da ciência pura e aplicada, todos os esforços do Estado teriam sido vãos. A economia nacional que, pelo seu próprio movimento, tendia a transformar-se, não respondia senão a medidas governamentais que correspondiam às suas próprias tendências, e só na medida em que elas lhes correspondiam.
"A maior parte dos ramos industriais (metalurgia, refinarias de açúcar, petróleo, destilarias, a própria indústria têxtil), escreve o professor. Mendéléev, nasceu sob a influência direta de medidas governamentais, por vezes mesmo com a ajuda de importantes subsídios do governo, mas sobretudo graças ao fato de o governo adotar sempre, conscientemente, uma política protecionista. Sob o reinado de Alexandre, o governo inscreveu abertamente esta política na sua bandeira".
O douto panegirista do protecionismo industrial esquece-se de acrescentar que a política do governo não era de maneira nenhuma guiada pela preocupação de desenvolver as forças da indústria, mas por considerações fiscais e, por outro lado, militares e técnicas. Foi por isto que a política protecionista se encontrou bastantes vezes em oposição não só com os interesses fundamentais do desenvolvimento industrial, mas também com os interesses privados dos vários grupos de homens de negócios.
Telégrafo: deu confiança aos atos da administração e assegurou uma uniformidade relativa e rapidez na execução das suas decisões (em matéria de repressão).
Os caminhos de ferro: permitiam à autocracia transportar rapidamente as suas forças armadas de um extremo ao outro do país. Os governos da Europa pré-revolucionária não conheceram o caminho de ferro nem o telégrafo [ou seja, não se desenvolveram com a mesma tecnologia que a Russia dispunha naquela época. É claro neste ponto o caráter bélico das ferrovias e não um caráter mais “desenvolvimentista”]
Submetendo o país a uma extrema exploração através dos seus aparelhos militar e fiscal, o governo elevou o montante do seu orçamento anual até ao enorme número de dois mil milhões de rublos. Sustentado pelo seu exército e pelo orçamento, o governo da autocracia fez da Bolsa européia o seu ministro das finanças, de tal maneira que o contribuinte russo se tornou o seu tributário sem esperança. Foi nestas condições que, nos dois últimos decênios do Século. XIX, o governo russo pôde aparecer ao mundo como uma organização colossal, militar, burocrática, fiscal e bolseira, com um poder invencível. (? Não entendi a jogada russa)
Quanto mais um governo é centralizado, tanto mais é independente da sociedade e mais cedo se torna uma organização autocrática, colocada acima da sociedade. Quanto mais vastos são os recursos financeiros e militares de uma tal organização, mais tempo e mais frutuosamente pode continuar a sua luta pela existência.
Quanto mais tempo se mantinha um tal estado de coisas, maior se tornava a contradição entre as necessidades do desenvolvimento econômico e cultural e a política do governo, cuja inércia tinha atingido o máximo. A situação só oferecia à sociedade uma única saída para as contradições existentes: a acumulação, na caldeira do absolutismo, de uma quantidade suficiente de vapor para a fazer explodir. (...) a revolução estaria destinada desde a origem, a tomar um caráter tanto mais radical quanto mais profundo era o abismo que separava o absolutismo da nação. O marxismo russo pode sentir-se orgulhoso por ter sido o único a explicar a direção deste desenvolvimento e a predizer as suas formas gerais, enquanto os liberais se moviam no "praticismo" mais utópico e os narodniki revolucionários viviam de fantasmagorias e acreditavam em milagres. Todo o desenvolvimento social anterior tornava a revolução inevitável.
A revolução é uma prova de força aberta entre as forças sociais em luta pelo poder. O Estado não é um fim em si, é unicamente uma máquina nas mãos das forças sociais dominantes. Como qualquer máquina, tem os seus mecanismos: um mecanismo motor, um mecanismo de transmissão e um mecanismo de execução. A força motriz do Estado é o interesse da classe; o mecanismo motor é a agitação, a imprensa, a propaganda pela Igreja e pela Escola, os partidos, os comícios na rua, as petições e as revoltas; o mecanismo de transmissão é a organização legislativa dos interesses de casta, de dinastia, de estado ou de classe, que se apresentam como a vontade de Deus (absolutismo) ou a vontade da nação (parlamentarismo); finalmente, o mecanismo executivo é a administração com a sua política, os tribunais com as suas prisões, e o exército.

Capítulo IV: A revolução e o proletariado

O Estado não é um fim em si, mas um meio extremamente poderoso de organizar, de desorganizar e de reorganizar as relações sociais. Consoante quem o controla, pode ser uma poderosa alavanca para a revolução, ou um instrumento de que se serve o governo para organizar a estagnação.
Qualquer partido político digno deste nome luta para conquistar o poder político e colocar assim o Estado ao serviço da classe cujos interesses exprime. A social-democracia, partido do proletariado, luta naturalmente pela dominação política da classe operária.
O proletariado cresce e reforça-se com o crescimento do capitalismo. Neste sentido, o desenvolvimento do capitalismo é também o desenvolvimento do proletariado no sentido da sua ditadura. Mas o dia e a hora em que o poder passará para as mãos da classe operária dependem diretamente, não do nível atingido pelas forças produtivas, mas das relações na luta de classes, da situação internacional e de um certo número de fatores subjetivos: tradições, iniciativa, combatividade dos operários.
É possível que os operários conquistem o poder num país economicamente atrasado antes de o conquistarem num país avançado. Em 1871, os operários tomaram deliberadamente o poder na cidade pequeno-burguesa de Paris; só por dois meses, é verdade, mas, nos centros ingleses ou americanos do grande capitalismo, os trabalhadores nunca tiveram o poder, mesmo por uma hora, nas suas mãos. Imaginar que a ditadura do proletariado depende, de algum modo automaticamente, do desenvolvimento e dos recursos técnicos de um país, é tirar uma conclusão falsa de um materialismo "econômico" simplificado até ao absurdo. Este ponto de vista nada tem a ver com o marxismo.

Na nossa opinião, a revolução russa criará condições favoráveis à passagem do poder para as mãos dos operários – e, se a revolução prevalecer, é o que se realizará com efeito – antes que os políticos do liberalismo burguês tenham tido a possibilidade de poder mostrar plenamente a prova do seu talento para governar.

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