quinta-feira, 30 de maio de 2013

“A problemática da indústria retardatária”

CARDOSO DE MELLO, J.M. (1975) O Capitalismo tardio. 11 ed. São Paulo: Editora Unesp; Campinas, SP: FACAMP, 2009. Cap II, item 1 (pp. 78-99)

J.M. Cardoso de Mello defende que, apesar o modo de produção capitalista se tornar dominante na América Latina, o fato de a produção ser de caráter exportador não possibilitou a criação de forças produtivas capitalistas. Por forças produtivas capitalistas o autor entende ser uma produção determinada por um processo dinâmico de acumulação capitalista, “um processo de criação de bases materiais para o capitalismo” (p. 80) que permitam uma independência em relação às barreiras de acumulação existentes naquela estrutura técnica em que se dará a reprodução desse capital.
Para o autor, é preciso avaliar os dois determinantes da industrialização da América Latina: o primeiro é o fato de essas economias serem, num primeiro momento, “exportadoras capitalistas nacionais” e o segundo é o fato de que elas surgem num momento em que o capitalismo internacional já estar em sua fase monopolistas – critérios usados por Cardoso de Mello para definir a situação da economia da AL como um capitalismo tardio ou retardatário.
A economia cafeeira cria as condições para a industrialização por meio da: 1) geração de uma massa de capital monetário concentrada nas mãos dos oligarcas do café; 2) transformação da força de trabalho em mercadoria; 3) criação de um mercado interno.
O capital industrial surgiu tanto diretamente do café quanto das suas atividades indiretas urbanas como o comércio e serviços de transporte. JMCM alega que o capital industrial não foi uma alternativa em tempos de crise, mas sim uma forma de escoar o capital cafeeiro em momentos de auge das exportações.
Existência de trabalhadores livres se dá pela imigração em massa para o setor cafeeiro.  Além de atrair trabalhadores, o capital cafeeiro, em momentos de auge, possibilitou a capacidade de importar alimentos, meios de produção e bens de consumo e capitais para suprirem tanto as necessidades da mão de obra quanto do capital industrial.
Lucratividade do capital industrial foi beneficiado pelas baixas taxas de salário devido à abundância de oferta de mão de obra e pelo alto grau de proteção da produção industrial aliada às isenções de importação de máquinas e equipamentos. Mesmo com as desvalorizações cambiais e seus efeitos nas importações, a baixa densidade de capital empregado na produção de bens leves propiciava retornos compensadores.
Deste cenário só foi possível a criação de indústria de bens corrente, como a têxtil, devida a sua técnica simples e de volume de investimento inicial acessível. Como já havia apontado o autor, este foi um período marcado pelos monopólios. Devido à esta concentração da tecnologia junto dos avanços da Segunda Revolução Industrial, uma indústria pesada como a siderurgia estava além da capacidade de investimento do Brasil tanto por conta da dificuldade de se obter a tecnologia no mercado internacional quanto pelo alto volume exigido para se ter essa indústria de larga escala e enormes plantas. Esse cenário mostra como a articulação entre esses dois capitais, cafeeiro e industrial, se dá por meio de “unidade e contradição”, ou seja, estimula e impõem limites ao mesmo tempo.
A unidade é compreendida por meio da dependência entre os dois capitais que se dá tanto pela capacidade de importar criada pelo mercado do café quanto pela impossibilidade de a indústria de criar seus próprios mercados. Essa mesma articulação interna mostra de que forma a indústria brasileira se relaciona com as economias capitalistas dominantes: uma vez que a produção do café é determinada pela demanda externa, tanto será também a acumulação do capital industrial por ser dependente dos vazamentos desse setor exportador.
O período de 1888 e 1933 é declarado por JMCM como “o momento de nascimento e consolidação do capital industrial” (p. 88). O desenvolvimento do café gerou condições para o Brasil responder à crise de 1929 por meio da capacidade de expansão da indústria de alimentos e de bens de consumo assalariado e oferta de mão de obra no mercado de trabalho. Além disso, as indústrias leves de bens de produção e a agricultura mercantil de matérias-primas, ao crescerem, tiveram a oportunidade de ir pelo caminho da reprodução ampliada sem recorrer às importações. Essa estrutura permite novos avanços frente à restrições maiores de importação entre 1931 a 1937, um período que possibilitou uma expansão econômica fundada em novas bases.
De 1933 até 1955 há um processo de “industrialização restringida”. Período em que a indústria tem suas bases, mas elas não são suficiente para implantar um núcleo da indústria que trabalhe antes da demanda, ou seja, um setor de base para dar condições às demais indústrias para se desenvolverem sem depender de importações. Neste cenário, o capital industrial se liberta do cafeeiro, mas a capacidade de importação continua sendo um fator limitante. O motivo que explica o caráter restringido da indústria está na inviabilidade da implantação dessa indústria pesada devido aos motivos já apresentados anteriormente: tecnologia sofisticada, volume de capital para investimento e gigantescas economias de escala. A condição brasileira elevava o risco de investimento externo no Brasil. As exigências recaem, então, sobre o Estado, como proteção contra importações, impedimento do poder de barganha dos trabalhadores e realização investimento em infraestrutura.
Sem mudanças até então, entre 1956 e 1961 o Brasil registrou uma “onda de inovações” com a alteração radical do sistema produtivo dado por um salto tecnológico. É nessa época que há a instalação autônoma, ou seja, que não é induzida pela demanda, de setores de bens de produção e de bens de consumo para capitalistas, os setores D1 e D2 de Marx, respectivamente, junto de investimentos públicos na infraestrutura. Esse desenvolvimento se deu graças a estruturação da base material durante a fase de industrialização restringida e também graças ao apoio do Estado e dos novos capitais estrangeiros que entravam no país que permitiam a entrada de grandes empresas oligopólicas do exterior. Essa industrialização pesada incentivou o capital industrial nacional e estimulou o crescimento e modernização das pequenas e médias empresas nacionais.
O ciclo de expansão de sete anos até 1961 é seguido por uma depressão que dura entre 1962 a 1967 causada  por queda na taxa de crescimento, deflação generalizada dos preços e salários – uma vez que os lucros brutos crescentes não eram transferidos a eles –, provocados pelo caráter oligopolizador desses mercados industriais e pelo alto investimento público.

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