quinta-feira, 30 de maio de 2013

“Crise e recuperação no Brasil”

CANO, W. (2001) Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. Campinas: Ed. Unicamp, 2002. Cap. 04: “’Crise de 1929’: soberania na política econômica e industrialização” (pp. 89-106)

Industrialização restringida entre 1930 e 1950: “Restringida, pois ainda não completou a montagem de suas bases técnicas, e, assim, é ainda fortemente dependente das divisas, do mercado e do excedente gerado pelo setor primário exportador” (p. 77)
A implantação da indústria antes de 1930 nos países da América Latina variou de acordo com o tipo de produto exportado, a dinâmica gerada por ele, das estruturas sócio-econômicas, mercado de trabalho, taxa de salários, capacidade de importação, produção das matérias primas utilizadas, urbanização e grau de protecionismo tarifário.
São necessárias condições políticas e econômicas para sustentar o processo de industrialização:
- Existência prévia de implantação industrial que dê conta da demanda em momentos de crise e estancamento das importações;
- deve haver divisas para bancar insumos e equipamentos ainda não produzidos nos país;
- vontade política por um Estado atuante e indutor do setor privado, que implemente instrumentos e políticas reativas à crise e que avance na industrialização para internalização de meios de produção;
- menores restrições internas frente a crises profundas para fortalecer o apoio político a esse processo;
Até a década de 1920 o mercado nacional era fracamente integrado e a política relativamente liberal do comércio exterior proporcionava um alto coeficiente de importação e a possibilidade de implantação de algumas indústrias. A demanda por bens industrializados era atendida por meio da produção nacional ou internacionais. Faltava à indústria nacional dinâmica suficiente para romper com o isolamento e conquistar o mercado interno para si, com exceção de São Paulo. A Primeira Guerra Mundial estancou as importações e deu a oportunidade de SP usar o excesso de produção para comercializar com o resto do país. Apesar disso, o estado não escapou da crise de superacumulação gerada pela crise da valorização cambial entre 1924 e 1926 que diminuiu a proteção à indústria e permitiu a entrada de produtos estrangeiros reduzindo o mercado das indústrias nacionais; além dos problemas gerados pela superprodução do café que inviabiliza os financiamentos dos estoques invendáveis.
A década de 1920, ao mesmo tempo, é marcada pela diversificação do setor de bens de consumo e de produção que dá condições para uma formação industrial mais ampla a partir da crise de 1929. A indústria registra, contudo, crises de sobreinversão e de exportação mesmo com coeficientes de exportação altos no país, a capacidade ociosa continuava alta. A solução apontada pelo autor seria uma maior autonomia para a reprodução ampliada da indústria. Contudo, junto da crise ocorre um ganho de desenvoltura nos bancos de capital nacional e incremento da rede ferroviária que ajudaria na integração do mercado nacional, além de reformulações no Estado frente à pressões setoriais e a favor de questões sociais envolvendo assalariados.  Em São Paulo a agricultura registrava crescimento do café e de outros produtos, com alargamento de sua fronteira agrícola.

A controvérsia sobre a crise de 1929 no Brasil e sua recuperação
Cano diz acreditar que no final da década de 1920 as condições econômicas no Brasil estavam amadurecidas para pressionar a sociedade a superar as crises que caiam sobre a economia. O autor vai além. Ele afirma que não foi a crise internacional que promoveu a transformação interna, só reforçou um processo que já estava em marcha. Apesar das pressões existentes o Brasil apenas consegue romper com a inércia dos países que seguiam as determinações norte-americanas por meio da política de Getúlio Vargas. As políticas de valorização do café e, posteriormente, e a política de defesa permanente asseguraram, por meio da manutenção e crescimento das taxas de lucro, até os primeiros anos de 1930 a acumulação no próprio setor cafeeiro dadas as barreiras dos investimentos na indústria pesada e a crise de sobreinversão industrial. O problema foi a superprodução que, nos primeiros biênios da década de 1930 bateram recordes. Os efeitos da crise, no entanto, prejudicaram o respaldo estatal aos cafeicultores. São Paulo, porém, não passaria pela mesma crise que os outros estados por conta da estrutura diferenciada em relação ao resto do país, como aponta Cano. “Suas estruturas produtivas, escalas de operação bem como suas relações sociais de produção apresentavam acentuados graus de diferenciação” (p. 96)
Celso Furtado coloca a intervenção do Estado na queima de sacas de café para sustentação da economia cafeeira por meio de financiamento através de crédito público. A questão do crédito foi alvo de críticas a Furtado. Um dos autores, Peláez alega que o recurso para esse mecanismo viera de impostos sobre exportações e não do crédito. Além disso, esse autor ortodoxo afirma que o responsável pelo déficit público se deu por conta das despesas do governo com a Revolução de 1932 e não por causa do financiamento do café. As críticas a Furtado são desfeitas por autores como Fishlow, Silber e pelo próprio Cano que contrapõe dados do saldo de papel-moeda e do orçamento do governo do período analisado por Peláez com um período maior que Cano usa para desmontar a argumentação do crítico de Furtado.
Cano ainda refuta as críticas de Peláez argumentando a favor da questão da transferência de renda do café para a indústria e do saldo da balança comercial durante a depressão. Sobre o primeiro ponto o autor cita Furtado e explica que a baixa na rentabilidade do café tornou infundável a manutenção de inversões ou reinversões de capital neste setor e trata como evidente o fato do surgimento de um novo canal, pela indústria ou em outros setores agrícolas, para a reprodução do capital. Peláez argumenta que o surgimento da indústria se deu por meio de capitais nacionais e estrangeiros não originários do café.
Já sobre o segundo ponto, Cano contra-argumenta a posição do crítico de que o saldo positivo da balança comercial ter sido o responsável pela recuperação da crise internacional. Para o autor foram determinantes internos que tiraram o país da crise uma vez que é preciso se atentar ao total das exportações atuando sobre a demanda efetiva e não apenas para os saldos da balança comercial.
Elementos que contribuíram para a rápida recuperação da economia: impostos que bloquearam a expansão de novas plantações; imposto em espécie e posteriormente em shillings sobre as sacas exportadas para financiar a compra de café para ser destruído; rígido controle de estoques; e a sustentação máxima do preço interno aliada ao financiamento da operação com recursos públicos e o constante déficit no orçamento do Estado foram medidas anticíclicas, evitando queda da demanda efetiva e reativando a produção graças à capacidade ociosa. Cortes das importações e pesada desvalorização cambial em 1931 abrandaram a crise industrial. São elementos que compuseram as condições para que, segundo Cano, se altere o antigo padrão de acumulação e, a partir desse momento, a indústria se torna o carro chefe da economia. É o que Furtado chama de “deslocamento do centro dinâmico”.

Aspecto contraditório do processo de substituição de importações:
11)      a contração da capacidade para importar reduziu as importações de bens de consumo;
22)      isso, junto com a política de sustentação do nível da renda, permitiu à indústria utilizar mais sua capacidade produtiva ampliando sua produção;
33)      o maior nível de atividade industrial reclama maior uso de matérias-primas, combustíveis e bens de capital;
44)      essa demanda derivada pressionará ainda mais a capacidade para importar e o balanço de pagamentos;


“Recapitulemos as pré-condições para o novo padrão. O capitalismo brasileiro nasceu com o assalariamento da economia cafeeira do Oeste Paulista, em meados da década de 1880. Deu importante passo desde o final do século e, principalmente, nos períodos 1905-1913 e 1920-1925, quando o investimento industrial sobrepassou de muito a demanda então específica da indústria nacional. O setor cafeeiro superacumulou capacidade produtiva principalmente na segunda metade da década de 1920; o de transporte ferroviário e o de cabotagem praticamente estavam implantados já antes de 1930; o bancário nacional já sobrepassara o movimento dos bancos estrangeiros instalados no país e mostrava plenas condições para uma decisiva expansão, que ocorreria nas décadas de 1930 e de 1940. Quanto ao Estado, também já dera algumas demonstrações de capacidade de intervir na economia, experiência que lhe seria bastante útil após 1929” (p. 106)

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