quinta-feira, 30 de maio de 2013

"O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas"

PREBISCH, Raul (1949). "O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas". Item II (“Os benefícios do progresso técnico e os países da periferia”). In: BIELSCHOWSKY, Ricardo. (org.) Cinquenta anos de pensamento na CEPAL. vol. I. Rio de Janeiro, Cofecon-Cepal; Record, 2000, pp. 80-88.

Para Prebisch a América Latina deve ser entendida como um todo por conta de seu passado colonial e a formação dos países como primários exportadores dentro da Divisão Internacional do Trabalho com a industrialização do centro. Há para ele problemas comuns na América Latina:

I)                    industrialização por substituição das importações que imita as técnicas e produtos mais simples primeiro;

“Os imensos benefícios do desenvolvimento da produtividade não chegaram à periferia numa medida comparável àquela de que logrou desfrutar a população desses grandes países. Daí as acentuadíssimas diferenças nos padrões de vida das massas destes e daquela, assim como as notórias discrepâncias entre as suas respectivas forças de capitalização, uma vez que a massa de poupança depende primordialmente do aumento da produtividade” (p. 72)

“Daí a importância fundamental da industrialização dos novos países. Ela não constitui um fim em si, mas é o único meio de que estes dispõem para ir captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o padrão de vida das massas” (p. 72)

II)                  não é possível a periferia passar pelas mesmas etapas dos países do centro, uma ideia parecida com a de Trótski;

III)                foco no setor primário que é exportador e não pode ser substituído porque ele é o gerador de divisas;
“Quanto mais ativo for o comércio exterior da América Latina, tanto maiores serão as possibilidades de aumentar a produtividade de seu trabalho, mediante uma intensa formação de capital. A solução não está em crescer à custa do comércio exterior, mas em saber extrair, de um comércio exterior cada vez maior, os elementos propulsores do desenvolvimento econômico” (p. 73)

IV)               inadequação tecnológica e inadequação das plantas por conta do mercado estreito da periferia;
V)                 alto grau de dependência do investimento externo. As consequências para o Estado é o endividamento externo e a criação da dívida pública e a estratégia para a criação da poupança para o Estado, por meio de impostos e a conversão em Investimento e não em Consumo;
“Ninguém discute que o desenvolvimento econômico de certos países da América Latina e sua rápida assimilação da técnica moderna, em tudo o que lhes possa ser proveitoso dependem em alto grau dos investimentos estrangeiros. Esse problema não é nada simples por todas as implicações que contém. Entre seus fatores negativos, convém relembrar, antes de mais nada, o descumprimento dos serviços financeiros durante a grande depressão dos anos 1930.” (p. 75)

VI)               política monetária: ideia de inflação não é dependente da política monetária. O preço tem uma relação cm oferta e demanda e, como Hirshman, é fruto dos estrangulamentos dessa economia. Dizer que esse problema é estrutural é ligar os preços ao estrangulamento;

VII)             Formação de capital: têm-se uma baixa produtividade, baixos salários, renda e mercado estreito, assim como Nurkse e o ciclo da estagnação; e pelo salário e incapacidade de poupar é o ciclo da pobreza. Prebisch concorda com Lewis que a formação de capital vem da classe capitalista;
“Na maior parte dos países latino-americanos, a poupança espontânea é insuficiente para cobrir suas necessidades mais prementes de capital” (p. 76)

“A elevação do padrão de vida das massas depende, em última instância, de uma expressiva quantidade de capital por trabalhador empregado na indústria, nos transportes e na produção primária, e da capacidade de bem administrá-lo. (...) a formação de capital tem que lutar contra uma tendência muito acentuada a certas modalidades de consumo, que muitas vezes se mostram incompatíveis com um grau elevado de capitalização” (p. 76)

“O crescimento do emprego requerido pelo desenvolvimento industrial pôde efetuar-se, embora não na totalidade dos casos, com a utilização de pessoas que o progresso da técnica vinha desalojando da produção primária [AC1] e de outras atividades, especialmente de certos tipos de trabalhos e serviços pessoais de remuneração relativamente baixa, e mediante a utilização do trabalho feminino. O emprego industrial das pessoas desempregadas ou mal empregadas significou, portanto, uma melhoria da produtividade, que se traduziu num aumento líquido da renda nacional, nos casos em que não houve fatores de outra natureza que provocassem uma queda geral da eficácia produtiva” (p. 77).

VIII)           Inflação: para Prebisch é estrutural e não monetária e temporária como dizia Lewis;
IX)                Caráter da política anticíclica

“Quanto a esse aspecto, é necessário definir com precisão o objetivo que se persegue através da industrialização. Quando ela é considerada como o meio para atingir um ideal de auto suficiência, no qual as considerações econômicas passam para segundo plano, qualquer indústria que substitua importações torna-se admissível. Se o objetivo, no entanto, é aumentar aquilo que com acerto se denominou de bem-estar mensurável das masas, é preciso ter em mente os limites além dos quais uma industrialização maior poderia significar uma quebra da produtividade.” (p. 78)

Prebisch cita três limites para a industrialização na periferia. O primeiro é a elevação do nível de salários para uma correção do desequilíbrio da renda entre centro e periferia. “Outro desses limites é dado pelas considerações relativas à dimensão ótima das empresas industriais. Nos países da América Latina, de um modo geral, vem-se procurando desenvolver, do lado de cá da fronteira, as mesmas indústrias existentes do lado de lá. Isso tende a diminuir a eficiência produtiva e conspira contra a consecução do objetivo social buscado” (p. 79) e “A possibilidade de que se venha a inutilizar uma parte importante do fruto do progresso técnico em função de um fracionamento excessivo dos mercados é, portanto, outro dos limites do desenvolvimento industrial de nossos países” (p. 79).

II. Os benefícios do progresso técnico e os países da periferia

Progresso técnico beneficiou principalmente os países centrais e na periferia “parece” ter sido mais acentuado no setor primário exportador que na indústria. Considerando a movimentação de preços durante as crises e durante a segunda guerra mundial, Prebisch formula considerações:

“Primeiro: os preços não baixam de acordo com o progresso técnico, pois enquanto, por um lado, o custo tendeu a baixar em virtude do aumento da produtividade, por outro, elevou-se a renda dos empresários e dos fatores produtivos.” (p. 83)

Segundo: o crescimento da renda foi desproporcional ao aumento das produtividades o que gera diferença na relação de preços entre produtos primários e industriais.

Terceiro: historicamente a relação se deslocou desfavoravelmente aos produtos primários entre 1870 e 1930 por conta de crises e aumento de produtividades maior na indústria e no centro por elevação mais acentuada no padrão de vida do centro sustentado pelos países periféricos que compraram produtos manufaturados.

“Enquanto os centros preservaram integralmente o fruto do progresso técnico de sua indústria, os países periféricos transferiram para eles uma parte do fruto do seu próprio progresso técnico” (p. 83)

“Seria impossível compreender a razão desse fenômeno sem relacioná-lo com o movimento cíclico da economia e com a forma como ele se manifesta nos centros e na periferia, porque o ciclo é a forma característica do crescimento da economia capitalista, e o aumento da produtividade é um dos fatores primordiais do crescimento. No processo cíclico, há uma disparidade contínua entre a demanda e a oferta globais de artigos de consumo produzidos nos centros cíclicos. Na fase ascendente, a demanda ultrapassa a oferta e na descendente ocorre o inverso” (p. 86)

Ocorre uma transferência de lucro entre centro e periferia, ou seja, quanto maior a demanda e menor a capacidade de ofertar, maiores os preços e maior o lucro do centro é gasto com produtos primários. O problema todo está na incapacidade de correção da disparidade entre oferta e demanda nos diferentes momentos do ciclo e a incapacidade de negociação e defesa dos salários na periferia. Por conta dos salário e do poder sindical no centro, a pressão por proteção dos lucros dos capitalistas e proteção do padrão de vida dos trabalhadores, ambos no centro, se desloca para a periferia onde os preços dos produtos exportados são mais elásticos por conta da capacidade de variações no salário.

III. A América Latina e a alta produtividade dos Estados Unidos

A mudança do centro cíclico mundial da Grã-Bretanha para os Estados Unidos teve um papel importante por conta do desenvolvimento da sua produtividade. “Os países da América Latina, com um alto coeficiente do comércio exterior, são extremamente sensíveis a essas repercussões econômicos” (p. 88)

Os Estados Unidos chegaram a coeficientes baixos de importação por conta do seu progresso técnico. “Ainda que isso pareça paradoxal, o aumento da produtividade contribuiu para que aquele país prosseguisse em sua política protecionista e a acentuasse, depois de atingir a etapa de maturidade econômica” (p. 90)

“Quando o centro principal contrai sua renda, na fase cíclica minguante, ele tende a propagar essa contração para o resto do mundo. Quando a renda deste último não  diminui simultaneamente e com a mesma intensidade, mas o faz com certo atraso, surge um desequilíbrio na balança de pagamentos: o centro, por diminuir sua renda mais depressa, também restringe suas importações e demais parcelar passivas com mais intensidade do que o resto do mundo, com o que este se vê forçado a lhe enviar outro” (p. 95)


 [AC1]Lewis abordou o mesmo processo em 1954 ao tratar da oferta ilimitada da mão-de-obra e a necessidade de investir na técnica do setor primário para liberar trabalhadores para o setor de bens de capital em países pouco populosos.

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