quinta-feira, 30 de maio de 2013

A dinâmica da acumulação de capital entre 1919 e 1929

AURELIANO, L. M. (1976) No limiar da industrialização. 2ª ed. Campinas, SP: Unicamp, IE. 1999. Cap. I: “A crise da economia exportadora capitalista: a dinâmica da acumulação...” (pp. 15-54)

A crise de 1929 representou a precipitação da crise da economia exportadora capitalista por meio das condições de negação do sistema predominante até então criadas em seu interior. É uma crise mais longa dada a superacumulação interna e a violenta contração da demanda externa.
Na década de 1920 criam-se as condições para o capital industrial aspirar a um dinamismo próprio. É nesse período que o setor produtor de bens de consumo assalariado se moderniza por conta da concorrência externa. Além disso, há internamente um setor agrícola mercantil que foi capaz de sobreviver e romper com a dependência das importações já no período da Primeira Guerra Mundial. Aureliano aponta esses dois pontos como significados da plenitude do desenvolvimento da economia exportadora capitalista e de suas potencialidades.
“o desenvolvimento e a diversificação da indústria de bens de produção marcam a crise estrutural da economia exportadora capitalista, ainda que estivéssemos atravessando um momento de expansão sem precedentes do capital cafeeiro” (p. 17)
O setor cafeeiro passa por séria crise entre 1898 e 1906, momento no qual proprietários de terras menos férteis são eliminados e o Estado coloca em prática a Política de Valorização do Café para impedir o aprofundamento da cise. Após anos de estagnação, o setor se defronta com nova expansão entre 1910 e 1913, até, portanto, a Primeira Guerra Mundial e, posteriormente, um novo período positivo entre 1919 e 1929. Como ilustração desse momento de prosperidade, de acordo com a autora, a receita da exportação média passa de 527 mil entre 1910 e  1918 para 2 milhões nos dez anos seguintes. Na euforia dos lucros crescentes, além de forte expansão extensiva da produção, terras de regiões onde a produção havia desaparecido voltaram a ativa.
A imigração, que cessa nos momentos de crise, volta a crescer durante três períodos distintos entre 1916 e 1930. As migrações internas também tomam fôlego, motivadas também pela secas na década de 1920 no setor de subsistência nordestinos. A reprodução ampliada da força de trabalho ocorreu, no entanto, sem elevação de seu valor explicado pela oferta no mercado de trabalho e também pelo desemprego da agricultura mercantil de alimentos e do setor industrial de bens de consumo assalariado.
As condições de realização do café são beneficiadas pela prosperidade das economias importadoras na década de 1920, especialmente os Estados Unidos, devido ao aquecido setor automobilístico e da construção civil. A participação das importações norte-americanas no mercado do café sobem de 50% em 1920 para 60% em 1929.
A participação do estado e as valorizações do café foram fundamentais nesse período. Entre 1925 e 1929, uma mudança no caráter da política, agora de Defesa Permanente, assegura os preços elevados e sua manutenção. O problema desse aquecimento é o aumento gigantesco das safas na segunda metade da década.
Liana cita JMCM: “as vicissitudes do complexo cafeeiro explicam-se, antes de mais nada, pelas contradições do processo de acumulação do capital cafeeiro, suavizadas e, simultaneamente, aprofundadas pela Política Econômica do Estado” (p 25)

O desenvolvimento da agricultura comercial de alimentos
A relação entre o sustento da força de trabalho e a importação de alimentos diminuíra muito a partir de 1915 quando o país conquista sua quase total auto-suficiência na produção de bens de consumo assalariados, impulsionado, principalmente, pelo estado de São Paulo. A crise entre 1898 e 1910 foi responsável por transformar o tímido comércio nas ruas dos cafezais em um setor produtivo independente.  O capital procurou novas oportunidades de investimento quando a rentabilidade do café estava em baixa e encontrou conforto na produção de alimentos estimulada pelo crescimento da demanda a partir de 1915 e pelo protecionismo estabelecido em 1905. Além de São Paulo, outros estados diversificam a agricultura como Minas Gerais com gado, leite e seus derivados, e Rio Grade do Sul com charque, banha, fumo e feijão, ambos vendiam no mercado interno.
“As razões de bloqueio no Nordeste são fáceis de atinar e podem ser ditas numa palavra: baixo grau de divisão social do trabalho e, consequentemente, fraco desenvolvimento das relações de produção capitalistas” (p. 28)

O desenvolvimento industrial
Aureliano assume que o nascimento do capital industrial se dá entre 1886 e 1897 por meio da indústria de bens de consumo assalariado. As barreiras para o desenvolvimento da indústria brasileira estão nas pesadas exigências de escala mínima e de investimento nos setores de siderurgia, química e eletromecânica que marcam a etapa do capitalismo monopolista. Se impõem, portanto, grandes limitações uma vez que o país deveria adotar processos produtivos do Centro, mas com condições mínimas parecidas com as do mesmo centro, condições essas que não estavam dadas no Brasil do começo do século XX principalmente por conta do desenvolvimento das forças produtivas, da tecnologia e do tamanho do mercado interno existente – ou praticamente inexistente em termos de integração. Quanto ao mercado, ele era restringido às áreas litorâneas com altos custos de transporte. Já na questão tecnológica, grandes plantas exigiam energia elétrica e investimentos iniciais elevados. A inexistência de um setor produtos de bens de capital coloca graves limites à reprodução simples e ampliada do capitalismo brasileiro restringindo a economia à economia exportadora. Além do mais, o primeiro setor a se instalar no brasil, o têxtil, é marcado pela grande empresa e de caráter oligopólico, sem conhecer a concorrência.
Apesar das baixas taxas de crescimento industrial entre 1919 e 1929, as importações de máquinas nesse período mostram a modernização do setor de bens de consumo assalariado. Como esse setor já era bem constituído em 1920 e atendia devidamente a demanda, ele poderia registrar desequilíbrios entre taxa de lucro e taxa de crescimento da demanda e o perigo da sobreacumulação permanente rondava o setor a medida que o complexo exportador cafeeiro evoluía.
“À medida que a taxa de crescimento do mercado, especialmente nos estados não-cafeeiros, é inferior à taxa de acumulação, a concorrência intercapitalista vai se aguçando cada vez mais, dando, a cada passo, maior ímpeto à modernização e, com isto, aprofundando o desequilíbrio entre ampliação da capacidade produtiva e expansão do mercado” (p. 43)
Apesar de ser afetada pela crise cafeeira em 1921, a indústria de bens de consumo assalariado, especialmente a têxtil, cresce entre 1922 e 1923 ao utilizar sua capacidade ociosa. Já entre 1924 e 1926, com diminuição da proteção e a expansão da demanda diminuída a concorrência intercapitalista se torna mais violenta e toma um caráter inter-regional culminando em crise industrial no último ano desse período, seguida por crescimento da produção entre 1927 e 1928 devido à retomada da proteção e da demanda cafeeira. Essa trajetória, no entanto, não é seguida por todos os departamentos da indústria. Há diversificação dentro do setor de bens de consumo assalariado e crescimentos regionais, especialmente o paulista, maiores que o nacional.
No setor de bens de produção também houve significativas evoluções na década de 1920. Surgem nessa década: a pequena indústria de aço, de cimento, de motores elétricos, de máquinas para a indústria do açúcar, de máquinas têxteis, entre outras. Esse setor adquire grande importância para o futuro da indústria se tornando condição fundamental para a reprodução independente do capital mercantil exportador.
1924: Companhia Brasileira de Cimento Portland – capitais canadenses e norte-americanos. Incentivos governamentais foram importantes atrelados às empresas que produzissem um mínimo de toneladas especificado e utilizasse matéria-prima e combustíveis nacionais: isenções de taxas aduaneiras sobre máquinas e equipamentos, isenções de impostos de consumo, tarifas especiais nos meios de transportes nacionais, e empréstimos.
A partir de 1917 o Estado passa a incentivar a indústria do aço após o fracasso na tentativa de instalação no país e das dificuldades trazidas pela Primeira Guerra Mundial. Vantagens relacionadas a tarifas mais baixas e isenções de direitos de importações foram concedidas aos empresários e prorrogadas em 1921. A instalação da Companhia Belgo-Mineira, foi marco fundamental desse setor. A pequena indústria do aço estimulou a criação de novas empresas integradas verticalmente.
O desenvolvimento desse departamento denota que a economia exportadora capitalista atingira a plenitude de suas potencialidades gerando um movimento de negação de sua essência. Contudo, esse movimento estava limitado por barreiras econômicas e políticas.
“A emergência do embrião do departamento de meios de produção é possível somente porque o capitalismo atinge, no Brasil, um grau relativamente avançado de desenvolvimento. Melhor ainda, é o sinal de que a economia exportadora capitalista havia levado até a plenitude suas potencialidades, sobrepassando-as mesmo, ao gerar, no seu movimento, algo de essencialmente contraditório com o padrão de acumulação que lhe era próprio” (p. 50)
Ocorre ainda tentativas de instalação da indústria siderúrgica pesada. Privilégios foram concedidos à Itabira Iron, de Percival Farquhar, para transformar a empresa numa usina siderúrgica exportadora de minérios. Entre estes incentivos estavam monopólio do transporte ferroviário, direito ad aeternum de uso de um porto na costa, direito de expropriação de terras nas margens nas ferrovias, isenção de tributos e de impostos de consumo. A oposição foi forte por parte de Minas Gerais.
Do estudo desse período a autora chega a três principais entraves (que ela chama de lições): incapacidade de o empresariado nacional de enfrentar problemas de mobilização e concentração de capitais; era preciso enfrentar o desinteresse do capital internacional; havia estreitos limites da atuação do Estado e a incapacidade de assumir a tarefa de desenvolvimento da indústria siderúrgica.

“Em suma, o problema da siderurgia pesada era inteiramente prematuro na década de 20, porque não encontrava respaldo nem nas necessidades de reprodução do capital mercantil exportador, nem em interesses suficientemente fortes que pudessem conformar a política econômica do Estado. Serão necessárias a mudança do padrão de acumulação e uma nova estrutura de poder, num momento de crise do capitalismo mundial, para que a questão siderúrgica entre, realmente, na ordem do dia” (p. 54)

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