quinta-feira, 30 de maio de 2013

O CAPITAL - LIVRO 1 - alguns diversos

O CAPITAL - LIVRO 1 volume 1
Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2011


Capítulo I. A mercadoria
Tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho requerido para produzir-se um valor-de-uso qualquer, nas condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social médio de destreza e intensidade do trabalho” (p. 61)
“As mercadorias, recordemos, só encarnam valor na medida em que são expressões de uma mesma substância social, o trabalho humano; seu valor é, portanto, uma realidade apenas social, só podendo manifestar-se, evidentemente, na relação social em que uma mercadoria se troca por outra” (p. 69)
D) Forma dinheiro do valor
1. O fetichismo da mercadoria: seu segredo
As mercadorias, para Marx, são cheias de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas, ou seja, há mais num simples objeto que simples características materiais. As mercadorias encobrem em si o trabalho privado e as relações entre os produtores:
“A igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a forma da igualdade dos produtos do trabalho como valores; a medida, por meio da duração, do dispêndio da força humana de trabalho, toma a forma de quantidade de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, na qual se afirma o caráter social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social entre os produtos do trabalho” (p. 94)

Os homens não se relacionam socialmente mais pelos seus trabalhos, mas sim por suas coisas. O processo de produção domina o homem e não o contrário e para os participantes das trocas de mercadorias, “a própria atividade social possui a forma de uma atividade das coisas sob cujo controle se encontram, ao invés de as controlarem” (p. 96). Marx define o fetichismo:

“Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. (...) Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isso de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias.” (p. 94)

Como argumento para esse seu conceito, Marx faz relações entre os objetos úteis e os trabalhos privados, além de trazer exemplos de organizações sociais onde o fetichismo não é presente.
Para ele, objeto útil só é mercadoria por ser produto de um trabalho humano e ser destinado à troca. O conjunto de trabalho privado compõe a totalidade do trabalho social e apenas com a troca o produto do trabalho adquire uma realidade social homogênea. É por isso que a relação social entre os trabalhos privados aparece como “ralação material entre pessoas e relações sociais entre coisas” (p. 95) e não mais como relação entre indivíduos.
Como apenas com a troca o produto do trabalho adquire essa realidade social homogênea, é ai, então, que o trabalho do produtor adquire um duplo caráter social: ele tem de ser útil às necessidades sociais para se firmar no coletivo e só satisfaz as necessidades a medida que puder ser trocado por qualquer espécie de trabalho privado útil. Apesar de existir trabalhos qualitativamente diferentes, ao serem permutáveis eles são igualados e é quando as trocas assumem a forma dinheiro “que realmente dissimula o caráter social dos trabalhos privados e, em consequência, as relações sociais entre os produtores particulares, ao invés de pô-las em evidências” (p. 97), ou seja, não se enxerga mais uma mercadoria como o fruto de um trabalho social, se vê, apenas, o objeto útil.
Esse tipo de relação só acontece em sociedades cujo produto do trabalho seja destinado à troca. Marx cita exemplos de organizações que se diferem da capitalista e que, consequentemente, não apresentam esse fetichismo. São elas: a ilha de Robinson Crusoé, a Idade Média europeia e seu sistema de produção servil, uma indústria patriarcal e a sociedade de homens livres que produzem produtos sociais. Todas essas as relações sociais não se dão por meio de mercadorias, por meio de objetos, os produtos do trabalho carregam consigo o caráter social do trabalho e não é dissimulado por nenhum outro equivalente geral.

Capítulo II. O processo de troca
Marx diz que as relações de troca são “relações econômicas” que reflete a vontade de duas pessoas de trocarem mercadorias que as pertençam. A mercadoria não tem valor-de-uso para aquele que a possui e quer abrir mão dela, trocá-la por outra mercadoria. Ao trocar as mercadorias se encarna o valor delas. Lembrando que Marx diz que o trabalho socialmente necessário só agrega valor à uma mercadoria que é trocada por outra. A troca é um processo social que representa a encarnação do valor ao se trocar mercadorias. “Nesse sentido, cada mercadoria seria um símbolo, pois, como valor, é apenas invólucro material do trabalho humano nela dispendido” (p. 115).
Com o avanço das trocas, os proprietários de mercadorias, por considerarem suas mercadorias como um equivalente geral para poder adquirir mercadorias de outros mercadores, constataram que era preciso que houvesse um único equivalente geral para realizar todas as trocas. Para se chegar ao dinheiro com este papel, foi preciso que houvesse uma validação social, ou seja, todos os proprietários de mercadorias aceitaram o dinheiro como uma forma equivalente ao valor de suas mercadorias e ele (o dinheiro), passou a ser o representante de todos os demais valores. O processo de referenciar os valores das mercadorias naquela mercadoria que desempenha o papel de equivalente geral, o dinheiro, faz com que toda o processo de produção da mercadoria desapareça. É o que Marx chama do fetiche do dinheiro, já que, como ele definiu no capítulo I, as relações sociais são feitas por meio de coisas: troca-se valor, ou seja, tempo de trabalho socialmente necessário para a produção daquela mercadoria, simplesmente por moedas que encobrem todo esse tempo de trabalho que fica expresso simplesmente como uma cifra.


Capítulo III. O dinheiro ou a circulação das mercadorias
Seção 1. Medida dos valores
O dinheiro tem a função de medida universal dos valores. “É medida dos valores por ser a encarnação social do trabalho humano” (p. 125).
“O preço é a designação monetária do trabalho corporificado na mercadoria.” (p. 128) Não necessariamente o preço corresponderá necessariamente ao valor da mercadoria porque está sujeito a flutuações. “A magnitude do valor da mercadoria expressa uma relação necessária entre ela e o tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, relação que e imanente ao processo de produção de mercadorias. Com a transformação da magnitude do valor em preço, manifesta-se essa relação necessária através da relação de troca de uma mercadoria com a mercadoria dinheiro, de existência extrínseca à mercadoria com que se permuta” (p. 129) Além do fato de o dinheiro poder ter cotações diferentes, o dinheiro também faz com que o preço deixe de ser a expressão do valor. É possível vender um terreno, como Marx exemplifica, e esse terreno não ter valor algum, uma vez que não é produto de trabalho humano abstrato criador de valor.


Parte segunda. A transformação do dinheiro em capital
Capítulo IV. Como o dinheiro se transforma em capital
Seção 1. A fórmula geral do capital
O principal pressuposto para o capital é haver circulação de mercadorias por meio de troca de equivalentes. Neste capítulo Marx mostra como o dinheiro se transforma em capital por meio dessa circulação de mercadorias por meio de dois caminhos diferentes: aquele em que o dinheiro é mero intermediário (M-D-M) e aquele em que o intermediário é a mercadoria e ocorre a criação da mais-valia (D-M-D’) por meio do emprego de uma mercadoria específica que é a força de trabalho – ocorre, nas palavras de Marx, a valorização do valor. Essa valorização deve ser dada fora da esfera da circulação (e dentro dela ao mesmo tempo) porque dentro dela, todos os trabalhadores podem sentir o desejo de vender seu produto mais caro para obter uma diferença no final do processo. Se todos aumentarem, não haverá nenhum valor excedente, nenhuma valorização: “A formação da mais-valia e, portanto, a transformação do dinheiro em capital não pode, por conseguinte, ser explicada por vender o vendedor as mercadorias acima do valor nem por comprá-las o comprador abaixo do valor” (p. 191).
Porém, deve se originar fora dela por conta das suposições feitas por Marx nesta seção, principalmente pelo fato de que o valor excedente não pode ser criado simplesmente pela elevação do preço na hora da venda ou por uma negociação para obter preço baixo na compra – é preciso que haja a força de trabalho livre e que os trabalhadores não possuam os meios de produção para que o valor excedente se crie e ainda assim se mantenha uma troca de equivalentes.
A força de trabalho é a única mercadoria que é fonte de valor. “Por força de trabalho ou capacidade de trabalho compreendemos o conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valor-de-uso de qualquer espécie” (p. 197). Há duas condições essenciais para que o emprego da força de trabalho: ela precisa ser livre e se vender por um período determinado de tempo (caso contrário vira escravidão) e ela não pode vender seu produto, ou seja, o trabalhador não pode ser dono da mercadoria que produziu e a vender no mercado de trabalho – ele deve-se limitar a vender sua força de trabalho apenas. Essas condições são resultado de um desenvolvimento histórico e produto de revoluções econômicas. Outra condição apontada por Marx é a generalização do assalariamento, que é a expansão da liberdade dos trabalhadores que se desprendem da servidão e podem vender sua força de trabalho.
O valor da força de trabalho é o tempo de trabalho necessário para a produção dos meios de subsistência do trabalhador. É por este valor que o trabalhador aliena sua força de trabalho para o capitalista. A necessidade imprescindível do trabalhador e a forma como ele a satisfaz são “produtos históricos” e depende de fatores como o grau da civilização, condições de formação da classe trabalhadora. Marx diz que “um elemento histórico e moral entra na determinação do valor da força do trabalho, o que a distingue das outras mercadorias” (p. 201).
A transformação do dinheiro em capital se dá, portanto, a partir do momento que o capitalista consegue comprar a força de trabalho que agrega valor aos meios de produção que o capitalista possui e adianta na produção. 

Parte terceira. A produção da mais-valia absoluta
Capítulo V. Processo de trabalho e processo de produzir mais-valia

Seção 1. O processo de trabalho ou o processo de produzir valores-de-uso
“O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz” (p. 214) A matéria-prima, definida teoricamente por Marx como aquele objeto que já sofreu modificações feitas pelo trabalho humano, são também, por conta dessa característica, valores-de-uso, produtos de um processo de trabalho anterior. Esse valor-de-uso já têm agregado em si mais-valia(s) e receberá nova carga de valor ao ser objeto do trabalho do processo de produção de mercadoria. “Os produtos de trabalho anterior, que, além de resultado, constituem condições de existência do processo de trabalho, só se mantêm e se realizam como valores-de-uso através de sua participação nesse processo, de seu contato com trabalho vivo” (p. 217). Este é o consumo produtivo – o mesmo que Marx usará no capítulo XXI quando explica a reprodução simples, porém com um enfoque, lá, na visão do capitalista que consome a força de trabalho além de consumir esse valor-de-uso comprado para se tornar mercadoria.
O processo de trabalho capitalista tem algumas especificidades. A primeira é o fato de o trabalhador estar sob o controle do capitalista, dono de seu trabalho; a segunda é que o produto é de propriedade do capitalista e não do trabalhador; Da ótica do capitalista, o processo de trabalho é apenas o consumo das mercadorias força de trabalho, matéria-prima e maquinaria que ele comprou. É uma troca de equivalentes porque ele paga o valor da força de trabalho e obtém, em troca, a quantidade de horas de trabalho acertadas entre as duas classes. É por conta disso que o capitalista relutou tanto em diminuir a jornada de trabalho alegando que estariam infringindo as leis dessa troca de equivalentes uma vez que o trabalho que ele teria em contrapartida do pagamento do valor que corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário para a produção das mercadorias e não aceita “ser roubado”.
Seção 2. O processo de produzir mais-valia
O objetivo do capitalista é produzir mercadorias com valor mais elevado que aquele que ele despendeu.
“Essa metamorfose, a transformação de seu dinheiro em capital, sucede na esfera da circulação e não sucede nela. Por intermédio da circulação, por depender da compra da força de trabalho no mercado. Fora da circulação, por esta servir apenas para se chegar à produção de mais-valia, que ocorre na esfera da produção.” (p. 228).
A diferença entre a produção do valor e da de mais-valia é que no segundo ocorre um prolongamento até certo ponto. Se produz valor até que se pague o valor da força de trabalho; se produz mais-valia quando se ultrapassa esse ponto.
“O processo de produção quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir valor, é processo de produção de mercadorias; quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir mais-valia, é processo capitalista de produção, forma capitalista da produção de mercadorias” (p. 230)

Capítulo VI. Capital constante e capital variável
O tempo de trabalho usado na produção de um meio de produção (um insumo) é transferido para o novo produto.
Quanto maior o tempo de trabalho necessário aplicado à mesma mercadoria, maior será o valor novo acrescentado.





O CAPITAL - LIVRO 1volume 2
Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2011
Parte sétima: Acumulação de capital
Capítulo XXI. Reprodução simples
Todo processo de produção é também processo de reprodução por conta da continuidade, e da periodicidade e por percorrer um mesmo caminho ininterruptamente.
Nenhuma sociedade pode produzir continuamente sem reconverter parte de seus produtos em meio de produção. “Determinada parte do produto anual pertence, portanto, à produção.” P. 661)
Se o capitalista só utiliza esse rendimento para consumo, gastando-o no mesmo período em que o ganha, ocorrerá então, não se alterando as demiascircustâncias, reprodução simples. Embora esta seja mera repetição do processo de produção na mesma escala, essa mera repetição ou continuidade imprime ao processo certos caracteres novos, ou, antes, faz desaparecer os caracteres aparentes que se apresentava em sua ocorrência isolada.” (p. 662)
O trabalhador recebe na forma salário uma parte do seu próprio produto. “O que vai para o trabalhador sob a forma de salário é uma parte do produto por ele constantemente reproduzido. Na verdade, o capitalista paga-lhe em dinheiro, mas esse dinheiro não é mais do que a forma na que se converte o produto do trabalho, ou, mais precisamente, uma parte dele.” (p. 662)
O dinheiro pago pela classe capitalista à classe trabalhadora são “letras” que permitem que a segunda receba parte do produto produzido por ela mesma. Porém o trabalhador devolve esse dinheiro ao capitalista para receber parte do seu produto na forma de mercadoria. Marx diz que o dinheiro e a mercadoria “dissimulam essa operação” porque o pagamento da força de trabalho e a compra das mercadorias não revelam que todo o dinheiro é proveniente de uma mesma fonte de valor: o trabalho alheio não pago, que entra em um círculo vicioso de compra e venda, sem fim e mascara as relações de produção das mercadorias e da mais valia.
O capital variável precisa, portanto, ser produzido e reproduzido pelo trabalhador para que ele possa comprar seus meios de subsistência, o que Marx chama de “fundo dos meios de subsistência”.
“NO capítulo IV, vimos que, para transformar dinheiro em caputal, não basta a existência da produção e da circulação de mercadorias. É necessário haver antes, de um lado, possuidor de valor ou de dinheiro e, do outro, possuidor da substância criadora de valor,; de um lado, possuidor dos meios de produção e dos meios de subsistência e, do outro, possuidor aprnas da força de trabalho, tendo ambos de se encontrar como comprador e vendedor. A separação entre o produto do trabalho e o próprio trabalhador, entre as condições objetivas do trabalho e a força subjetiva do trabalho, é, portanto, o fundamento efetivo, o ponto de partida do processo de produção capitalista” (p. 665)
Como o processo de produção é processo de consumo da força de trabalho, Marx considera que o produto do trabalhador se transforma não só em mercadoria, mas também em capital – “em um valor que suga a força criadora de valor, em meios de subsistência que compram pessoas, em meios de produção que utilizam os produtores” (p. 666). Ou seja, a mercadoria, o capital, precisa do trabalho e do valor que o trabalho agrega à mercadoria. Consumir esse trabalho é transformar essa “fonte criadora de valor” em capital, uma vez que ele se transforma nos meios de subsistência que sustentam e propiciam a reprodução do trabalhador e produz as ferramentas para o trabalho humano. Marx segue o raciocínio falando dos dois tipos de consumo realizados pelo trabalhador: o consumo produtivo e o consumo individual. O primeiro se refere ao consumo da matéria prima, dos meios de produção, realizado pelo trabalhador para a produção das mercadorias. É, ao mesmo tempo, o consumo dos meios de produção que transforma, por meio do trabalho, os meios de produção em produtos com valor maior que aqueles adquirido no início do processo, e também consumo da força de trabalho pelo capitalista. O consumo individual, no entanto, é realizado pelo trabalhador para obter seus meios de subsistência. Os consumos são distintos. O produtivo é a força propulsora do capital e pertence ao capitalista (mesmo sendo efetivamente exercido pelo trabalhador), já o segundo é a fonte de força das funções vitais do próprio trabalhador. “O resultado de um é a vida do capitalista, e do outro é a vida do próprio trabalhador” (p. 666)
Quando se analisa o processo de produção capitalista com sua continuidade e a relação entre a classe capitalista e a trabalhadora, Marx mostra que é visível como o capital nunca sai das mãos do capitalista. “O capital que fornece em troca da força de trabalho se converte em meios de subsistência” (p. 667). Ou seja, “o consumo individual do trabalhador se transforma em nova força de trabalho explorável pelo capital”: “As bestas saboreiam o que comem, mas seu consumo não deixa, por isso, de ser um elemento necessário do processo de produção” (p. 667). O consumo individual é, portanto, fator de produção e reprodução do capital, como Marx expõe. O capitalista não se desliga de seu capital em momento algum. Mesmo fazendo a limpeza da máquina e dando a ela uma pausa para essa manutenção, o capital continua voltando para suas mãos por meio do consumo individual do trabalhador. Ou seja, mesmo que consumo individual e consumo produtivo sejam diferentes e, na teoria, pertençam a pessoas diferentes, o capital nunca será do trabalhador e sempre volta ao capitalista como um pombo correio que leva uma mensagem ao trabalhador e volta com o papo cheio pronto para consumir mais força de trabalho alheio não pago. “Do ponto de vista social, portanto, a classe trabalhadora, mesmo quando não está diretamente empenhada no processo de trabalho, é um acessório do capital, do mesmo modo que o instrumental inanimado de trabalho” (p. 668).
Esse sistema não tem mais aquela conotação natural da economia clássica, na qual a troca é proveniente da natureza humana e tudo ocorre seguindo uma lei da natureza do ser humano. Com o sistema de produção capitalista o trabalhador e o dono do capital não se encontram naturalmente ou “ao acaso”, como Marx diz, no mercado de trabalho. “É o próprio processo que, continuamente, lança o primeiro como vendedor de sua força de trbaalho no mercado e transforma seu produto em meio que o segundo utiliza para compra-lo. Na realidade, o trabalhador pertence ao capital antes de vender-se ao capitalista.” (p. 673). Se assemelha muito ao sistema de castas da cultura indiana: o trabalhador nasce já pertencente ao capital e não consegue se desvencilhar desse destino que foi traçado historicamente. O trabalhador recém-nascido só veio ao mundo por conta de um capital que propriciou a reprodução da classe trabalhadora. Um capital que, com o sistema capitalista de produção, passou a ser a reprodução do trabalho alheio não pago que sempre volta para as mãos do capitalista e fornece meios para novas produções continuamente e ininterruptamente.
Capítulo XXII. Transformação da mais-valia em capital
Seção 1. A reprodução ampliada. Transmutação do direito de propriedade da produção mercantil em direito de propriedade capitalista
“Aplicação de mais-valia como capital ou conversão de mais-valia em capital é o que se chama de acumulação de capital.” (p. 677)
Na reprodução ampliada o capitalista não consome a mais-valia produzida no processo de produção. O produto líquido da produção, ou seja, o valor que sobra após a produção repor os objetos que substituirão os elementos materiais do capital consumido durante o ano, deve ser reaplicado para que ocorra a acumulação de capital. A mais-valia tem de ser transformada em novos meios adicionais de produção e meios de subsistência. “Em suma, a mais-valia só pode ser transformada em capital porque o produto excedente, do qual ela é o valor, já contém os elementos materiais de um novo capital” (p. 678).
Para colocar esses novos elementos materiais em ação o capitalista precisa de forças de trabalho adicionais. Como a reprodução dos trabalhadores já é assegurada pelo sistema capitalista, capital precisa apenas incorporar esses novos trabalhadores.
Marx simplifica a transformação da mais-valia em capital: basta que a produção anual (1) reponha os materiais usados na produção, (2) produza o excedente chamado de mais-valia, (3) a reaplique em novos meios de produção e meios de subsistência e, finalmente, (4) incorpore novos trabalhadores ao processo de produção capitalista para que haja acumulação. É um processo em espiral, crescente progressivamente. Mais-valia capitalizada. “De qualquer modo, a classe trabalhadora criou, com o trabalho excedente do corrente ano, o capital que empregará, no próximo ano, trabalho adicional. Isto é o que se chama produzir capital com capital” (p. 680). Esse movimento em espiral permite que o capitalista consiga capitalizar cada vez mais-valia quanto mais trabalho alheio não-pago ele tiver empregado nos processos de reprodução componentes desse sistema.
“No início, havia uma troca de equivalentes. Depois, a troca é apenas aparente: a parte do capital que se troca por força de trabalho é uma parte do produto do trabalho alheio do qual o capitalista se apropriou sem compensar com um equivalente” (p. 681) ou seja, é a mais-valia obtida, o trabalho alheio não-pago, fruto do trabalho excedente. “A relação de troca entre capitalista e trabalhador não passa de uma simples aparência que faz parte do processo de circulação, mera forma, alheia ao verdadeiro conteúdo, e que apenas o mistifica. A forma é a contínua compra e venda da força de trabalho. O conteúdo é o capitalista trocar sempre por quantidade maior de trabalho vivo uma parte do trabalho alheio materializado, do qual se apropria ininterruptamente, sem dar a contrapartida de um equivalente.” (p. 681).

  

Capítulo XXIII. A lei geral da acumulação capitalista
Seção 1. Não se alterando a composição do capital, a procura da força de trabalho aumenta com a acumulação

Composições do capital: Do ponto de vista do valor, ele se divide em constante (valor dos meios de produção) e variável (força de trabalho); do ponto de vista da matéria que funciona no processo de produção, o capital se decompõe em meios de produção e força de trabalho viva.
A primeira é a composição segundo o valor e segunda composição técnica. Esta é determinada pela relação entre a massa dos meios de produção empregados e a quantidade de trabalho necessária para eles serem empregados. O nome composição orgânica do capital é dado por Marx para a composição segundo o valor que é determinado pela composição técnica refletindo as variações dessa relação entre meios de produção e quantidade de trabalho.
A composição do capital social de um país é dada pela média geral de todas as composições médias de todos os ramos da produção.
Acréscimo de capital é sempre mais-valia transformada em força de trabalho, fundo adicional de trabalho.
A reprodução ampliada, também chamada por Marx de acumulação, reproduz constantemente a relação entre a classe capitalista poderosa e os trabalhadores. A expansão do capital depende da incorporação de força de trabalho. “Sua escravização ao capital se dissimila apenas com a mudança dos capitalistas a que se vende, e sua reprodução constitui, na realidade, um fator de reprodução do próprio capital. Acumular capital é, portanto, aumentar proletariado.” (p. 716)
“A força de trabalho só é vendável quando conserva os meios de produção como capital, reproduz seu próprio valor como capital e proporciona, com o trabalho não-pago, uma fonte de capital adicional” (p. 722)
NO capitalismo o trabalhador existe para a expansão dos valores existentes e não a riqueza material existe para as necessidades do trabalhador. “Na religião, o ser humano é dominado por criações de seu próprio cérebro; analogamente, na produção capitalista, ele é subjugado pelos produtos de sua próprias mãos.” (p. 724)
Seção 2. Decréscimo relativo da parte variável do capital com o progresso da acumulação e da concentração que a acompanha.
O grau de produtividade do trabalho é expresso pelo volume de meios de produção que um trabalhador consegue transformar em produto num tempo dado e com um tal dispêndio de força de trabalho.
A produtividade crescente aumenta o volume dos meios de produção consumidos no processo e diminui seu valor em comparação ao seu volume. O valor aumenta em termos absolutos, mas não proporcionalmente ao volume.
“Com a acumulação do capital, desenvolve-se o modo de produção especificamente capitalista, e, com o modo de produção especificamente capitalista, a acumulação do capital. Esses dois fatores, na proporção conjugada dos impulsos que se dão mutuamente, modificam a composição técnica do capital, e, desse modo, a parte variável se torna cada vez menos em relação à constante” (p. 728)
Qual é o modo de produção especificamente capitalista? Aquele que emprega trabalho e extrai a mais-valia a partir do trabalho excedente.
Todo capital individual concentra meios de produção em quantidade maior ou menor. “Ao ampliar-se a massa de riqueza que funciona como capital, a acumulação aumenta a concentração dessa riqueza nas mãos de capitalistas individuais e, em consequência, a base da produção em grande escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas” (p. 728) Esse movimento é seguido por fragmentações no capital, que se transformam em novos capitais independentes que começam suas próprias acumulações e concentrações.
Diferente destes dois movimentos – o da acumulação por meio do emprego constante da mais-valia e de forças de trabalho adicionais e o da concentração cada vez maior dos meios de produção nas mãos dos capitalistas – a centralização é a “concentração dos capitais já formados, a supressão de sua autonomia individual, a expropriação do capitalista pelo capitalista, a transformação de muitos capitais pequenos em poucos capitais grandes” (p. 729). Marx explica esse movimento de centralização olhando para as mercadorias e para o mercado. A concorrência é feita por meio do barateamento das mercadorias, que depende da produtividade do trabalho e este da escala da produção. “Os capitais grandes esmagam os pequenos”. Além disso, Marx ressalta que o desenvolvimento deste modo de produção aumenta o capital mínimo individual necessário para a inserção de um capitalista no mercado. Ele cita também o crédito como uma importante “alavanca” para a centralização, por ser um instrumento que auxilia os capitalistas ao levar para suas mãos os meios financeiros dispersos na sociedade aumentando ainda mais a luta da concorrência.
A centralização possibilita uma ampliação e aceleração das transformações na composição técnica do capital. “O mundo ainda estaria sem estradas de ferro, se tivesse de esperar que a acumulação capacitasse alguns capitais isolados para a construção de uma ferrovia” (p. 731). O problema social da centralização, no entanto, está no fato de que os capitais adicionais são empregados em melhoras na produtividade do trabalho por meio da exploração de novos inventos e aperfeiçoamentos industriais e, ao mesmo tempo que isso ocorre, cada vez menos trabalhadores são atraídos pelos novos capitais e cada vez mais trabalhadores são repelidos pelo capital velho que se renova.
Seção 3. Produção progressiva de uma superpopulação relativa ou de um exército industrial de reserva
A ampliação de capital não é mais só quantitativa mas também qualitativa. Depois de apresentar como ocorre a acumulação capitalista por meio da mais-valia e das reproduções simples e ampliada, Marx mostra qual é o real efeito que a acumulação tem sobre a classe trabalhadora. Ele já apontou que o trabalhador é fundamental para a ampliação do capital e para a acumulação por meio de uma análise de como o trabalhador recebe seus meios de subsistência e se torna um acessório do capitalismo por meio de seu consumo individual. Agora, Marx passa a considerar os trabalhadores que são dispensados da produção industrial quando há mudança na composição orgânica do capital. Para ele, “a população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz, em proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma população supérflua” (p. 734), ou seja, os trabalhadores produzem a mais-valia que será reinvestida em meios de produção mudando a composição técnica do capital. Marx já provou que mudanças na composição técnica, em especial na parte constante do capital, afetam o trabalhador porque diminui a quantidade de trabalhadores por máquina deixando o modo de produção menos dependente do capital variável. Dispensando trabalhadores, o modo de produção cria o exército industrial de reserva: essa população de trabalhadores “proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro incremento da população” (p. 735). São produtos necessário e alavancas da acumulação capitalista.
O exército industrial de reserva se faz tão presente neste modo de produção capitalista que afeta salários e até o psicológico dos trabalhadores. “O trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de seu exército de reserva, enquanto, inversamente, a forte pressão que este exerce sobre aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho excessivo e a sujeitar-se às exigências do capital” (p. 739). A mudança da composição técnica do capital, por meio do aumento do capital constante e a diminuição do variável fazem com que os assalariados trabalhem ainda mais. Este efeito Marx discutiu no capítulo 10 sobre a maquinaria. Naquele capítulo ele fala sobre a ilusão do trabalhador de, após ter conquistado limites humanos para a jornada de trabalho, passa a trabalhar de forma ainda mais intensiva nas máquinas do modo de produção capitalista. Essa intensificação do trabalho e o fato de os trabalhadores temerem perder seu emprego para qualquer outro trabalhador que espera por uma vaga, contribui para que não sobre trabalho ou espaço que justifique aumento do capital variável.
Quanto ao efeito nos salários, Marx diz: “os movimentos gerais dos salários se regulam exclusivamente pela expansão e contração do exército industrial de reserva, correspondentes às mudanças periódicas do ciclo industrial. Não são, portanto, determinados pelas variações do número absoluto da população trabalhadora, mas pela proporção variável em que a classe trabalhadora se divide em exército da ativa e exército da reserva, pelo acréscimo e decréscimo da magnitude relativa da superpopulação, pela extensão em que ora é absorvida, ora é liberada” (p. 740).
Com a análise dos efeitos do capital e sua acumulação sobre a classe trabalhadora, Marx conclui que a acumulação de capital tem uma dupla ação, ela cria, ao mesmo tempo, a procura e a oferta de trabalho ao empregar trabalhadores e ao mesmo tempo dispensá-los. Além disso a pressão dos trabalhadores desempregados faz com que os já assalariados trabalhem ainda mais aumentando a mais-valia e tornando este um ciclo vicioso (palavras minhas). “Nessas condições, o movimento da lei da oferta e da procura de trabalho torna completo o despotismo do capital. Quando os trabalhadores descobrem que, quanto mais trabalham, mais produzem riquezas para os outros, quanto mais cresce a força produtiva de ser trabalho, mais precária se torna sua função de meio de expandir o capital; quando veem que a intensidade da concorrência entre eles mesmos depende totalmente da pressão da superpopulação relativa; quando, por isso, procuram organizar uma ação conjunta dos empregados e desempregados através dos sindicatos etc., para destruir ou enfraquecer as consequências ruinosas daquela lei natural da produção capitalista sobre sua classe, então protestam em altos brados o capital e seu defensor, o economista político, contra a violação ‘eterna’, por assim dizer, ‘sacrossanta’ lei da oferta e da procura.” (p. 744)
Seção 4. Formas de existência da superpopulação relativa. A lei geral da acumulação capitalista
A superpopulação relativa, ou exército industrial de reserva, pode aparecer de forma aguda durante uma crise, crônica durante uma paralização, ou nas formas latente, flutuante e estagnada.
A forma flutuante é aquela na qual estão os trabalhadores demitidos pela indústria.
“É uma contradição do próprio movimento do capital que o incremento natural da massa de trabalhadores não sature suas necessidades de acumulação e, apesar disso, ultrapasse-as” (p. 745).
A superpopulação relativa latente corresponde aos trabalhadores rurais que foram expulsos no campo e esperam ser transferidos para o proletariado urbano.
“A terceira categoria de superpopulação relativa, a estagnada, constitui parte do exército de trabalhadores em ação, mas com ocupação totalmente irregular. [...] Duração máxima de trabalho e o mínimo de salário caracterizam sua existência” (p. 746). Essa população aumenta a medida que a superpopulação relativa, ou trabalhadores supérfluos, aumenta expulsos da indústria e da manufatura.
Fora destas três categorias, Marx ainda acrescenta uma parcela da superpopulação paupérrima. Fazem parte desta parcela trabalhadores aptos a trabalhar, órfãos e filhos de indigentes e finalmente os degradados, demoralizados e incapazes de trabalhar. “O pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército ativo dos trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva” (p. 747).
Duas vezes nesta seção Marx critica o efeito da divisão do trabalho. A primeira é quando ele comenta que a contradição da “falta de braços”, ou seja, a falta de trabalhadores mesmo com uma superpopulação relativa à disposição do capital que ocorre porque a divisão do trabalho acorrentou os trabalhadores a determinado ramo industrial. A segunda passagem fala sobre a parcela da superpopulação que ele chama de pauperismo. Dentro deste sedimento estão os “degradados, desmoralizados, incapazes de trabalhar. São, notadamente, os indivíduos que sucumbem em virtude de sua incapacidade de adaptação, decorrente da divisão do trabalho; ...” (p. 747).
“Quanto maiores a riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seu crescimento e, consequentemente, a magnitude absoluta do proletariado e da força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é ampliada pelas mesmas causas que aumentam a força expansiva do capital. A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza, mas, quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício de seu trabalho. E, ainda, quanto maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista.” (p. 748)

“Acumulação de riqueza num pólo é, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, de trabalho atormentante, de escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral, no pólo oposto, constituído pela classe cujo produto vira capital.” (p. 749)

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