quinta-feira, 30 de maio de 2013

FEB, capítulos 27 a 32

FURTADO, C. (1959) Formação econômica do Brasil. 34 ed. São Paulo: Companhia das letras, 2007. Caps 27-32

 Capítulo 27 ao 29
Após discutir mudanças no mercado de trabalho, fluxos de renda e níveis de renda na economia brasileira do final do século XIX e início do XX, Furtado foca suas atenções na tendência ao desequilíbrio externo. O autor inicia estre trecho discutindo os problemas que o novo sistema econômico baseado no trabalho assalariado apresentava, principalmente a adaptação às regras do padrão-ouro. Segundo Furtado, o trabalho assalariado provoca um aumento na procura monetária e essa procura tendia a crescer mais que as exportações.  Parte da renda criada pelas exportações crescentes precisava ser satisfeita por importações. Com as oscilações de preços dos produtos primários, dada a crise nos centros industriais, fazia-se necessário a mobilização de reservas metálicas para manter o nível de procura por importações. Essa compensação monetária, no entanto, não era suficiente o que gerava desequilíbrio e inflação. O descompasso entre a contração do valor das exportações e a procura por importações era a fonte dos desequilíbrios iniciais.
Após discutir o problema gerado pela inadaptabilidade ao padrão-ouro, o autor passa a discutir a defesa do nível de emprego e a concentração da renda. A situação do mercado de trabalho da época e a inexistência de pressões da mão-de-obra sobre os salários possibilitava que os empresários investissem na expansão das plantações deixando de lado as melhoras na produtividade da terra e da mão de obra. Outro fator que propiciava a essa renúncia da técnica era a abundância de terras. Furtado volta à discussão do desequilíbrio externo. As correções dos preços internacionais por meio da taxa cambial geravam um conceito famoso de Furtado: as socializações de perdas. Enquanto as alterações no câmbio prejudicavam aqueles que importavam por meio de bens mais caros, os exportadores se beneficiavam obtendo quantias maiores em moeda nacional. A partir desse instrumento e dos movimentos cíclicos da economia brasileira o autor mostra como a renda se concentrava no país, afinal, mesmo em ciclos desfavoráveis os empresários continuavam sua acumulação por meio das desvalorizações cambiais que garantiam rendimentos em moeda nacional. Por fim Furtado discute a defesa do nível de emprego alegando que era necessário aos empresários manter o volume de mão de obra empregado mesmo durante os períodos de crise uma vez que se mostrava vantajoso continuar exportando. Sem danos no lucro do empresário, a defesa do emprego seria garantida.
Essa estratégia de usar a taxa cambial como instrumento para garantir os lucros dos empresários do café teve efeitos sobre outros grupos sociais. O encadeamento dos efeitos da desvalorização do câmbio passa pela dívida pública do Estado brasileiro e pela necessidade de emissão de papel-moeda para cumprir com as obrigações do poder público. Aumento indiscriminado das emissões desencadeava um processo inflacionário prejudicial às classes não-proprietárias, como assalariados e classe média urbanos, produtores agrícolas e empresas estrangeiras. As relações de poder entre governo e capital cafeeiro ficam abaladas com a ascensão política desses novos grupos, uma vez que o “controle que antes exerciam aqueles grupos agrícola-exportadores sobre o governo central” (p. 248) é reduzido frente às pressões feitas pelos indivíduos que também sofriam com a inflação e as desvalorizações cambiais. Além disso, a proclamação da República e consequentemente a desejosa autonomia regional gera expansão no crédito por meio de bancos regionais, o que também colabora, com depreciações cambiais e mais pressões sobre a classe assalariada, especialmente a urbana.

Capítulo 30
Condições endógenas e exógenas propiciaram a expansão do café brasileiro no final do século XIX: a produção asiática perdeu grande parte de seus cafezais e internamente o programa de imigração passa para as mãos do Estado e uma grande inflação de crédito beneficiou os cafeicultores permitindo a abertura de novas terras e elevou o preço do produto em moeda nacional com a depreciação cambial. A vantagem relativa para o Brasil produzir café e mais, a tendência era de crescimento da produção dada a abundância de terras e da disponibilidade de mão-de-obra.
As condições para o país eram excepcionais e garantiram o monopólio do produto com o controle de 75% da oferta mundial naquele século. Situação essa que possibilitou vantagem no combate a crise de preços nos primeiros anos do século XX. Os estoques, então, seriam vendidos ou retidos de acordo com a demanda dos países importadores e bastavam recursos financeiros para reter essas partes da produção fora do mercado. A partir da crise de 1893, o instrumento da depreciação externa da moeda absorveu seus efeitos, mas no final daquele século a pressão dos consumidores urbanos tornou inviável o uso recorrente de desvalorizações. A superprodução agrava a situação da época.
Política de valorização do café, elaborada no Convênio de Taubaté (1906):
a)      Compra dos excedentes pelo estado para reequilibrar oferta e demanda;
b)      Financiamentos feitos com empréstimos estrangeiros;
c)      Serviço do empréstimo seria coberto com imposto em ouro sobre as sacas exportadas;
d)     Governadores dos estados deveriam desencorajar a expansão do café.
A descentralização republicana havia aumentado os poderes regionais dos estados produtores de café e as medidas adotadas pelo Convênio de Taubaté, em 1906, geraram polêmicas que refletiam as transformações na estrutura político-social. O primeiro esquema de valorização foi feito diretamente pelos estados produtores, sem apoio da União, e com ligações diretas com o capital externo. O governo se viu forçado a assumir a tarefa de executor da política de valorização e isso garantiu o poder da burguesia cafeeira até 1930, submetendo o governo aos seus interesses econômicos.
Como consequência desse plano, os lucros se mantiveram elevados e, consequentemente, os empresários do setor continuavam a elevar as inversões até o limite de fazer pressões sobre a oferta. Era preciso evitar que a capacidade produtiva continuasse a crescer, mas para isso era preciso apresentar outra alternativa rentável aos donos dos recursos. Esses estímulos artificiais que a economia cafeeira recebia a incentivava a crescer cada vez mais. A demanda, entretanto, continuava a evoluir dentro de seus parâmetros tradicionais, ou seja, o consumo de café não aumentava na mesma proporção que a renda na década de 1920. Essa situação gerava um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura.
Furtado aponta os erros daquela política de valorização do início do século XX: segundo ele o equilíbrio entre oferta e demanda dos produtos coloniais se dava quando a procura atingia a saturação do mercado e a oferta ocupava todos os fatores produtivos possíveis. Era necessário um desestímulo aos produtores de café, mas não se apresentava, naquela época, uma alternativa de produto colonial tão rentável quanto o café e que se encaixava nos moldes de uma política de valorização como a que foi feita para o setor cafeeiro. Como não foi essa a alternativa seguida naquela época, o capital estrangeiro foi utilizado para financiar os estoques a fim de tentar reequilibrar o mercado do produto. Entretanto, com a crise de 1929 e a fuga maciça de capitais sumiu com as reservas metálicas feitas até então.
Capitulo 31. Os mecanismos de defesa e a crise de 1929
Quando a crise de 1929 estourou a produção de café continuava a aumentar os estoques devido às plantações feitas anteriormente e o crédito no exterior se tornara impossível dada a depressão do mercado financeiro internacional. A despeito da discussão sobre o que fazer com o café que estava no campo, o que se tornava mais importante era descobrir quem pagaria o ônus das perdas.
“a economia havia desenvolvido uma série de mecanismos pelos quais a classe dirigente cafeeira lograra transferir para o conjunto da coletividade o peso da carga nas quedas cíclicas anteriores” (p. 264)
O mecanismo usado até então de manipulação da taxa cambial era inviável porque os elevados estoques e as precárias perspectivas de financiamento fizeram o preço do café despencar. Acumula-se ai crises da oferta e da procura. Preço do café baixo e depreciação cambial da moeda externa fizeram com que o grosso das perdas fosse “socializado” com a coletividade por meio da alta dos preços das importações. O mecanismo do câmbio era inviável dada às consecutivas quedas dos preços do café estimuladas pelo crescimento da produção devido ao incentivo artificial que as desvalorizações geravam. Tampouco seria conveniente usar a expansão do crédito, uma vez que ela também geraria socialização de perdas, agravamento do desequilíbrio externo e depreciação da moeda, não obstante beneficiasse indiretamente o setor exportador.
Furtado afirma que o preço do café é dado por condicionantes do lado da oferta e não da procura, uma vez que ele observa que os preços durante a década de 1930 continuaram sem muitas alterações apesar da recuperação dos países industrializados. Além disso, o consumo de café por esses países também se manteve constante.
A garantia do menor preços de compra do café era ao mesmo tempo garantia de manutenção do nível de emprego no setor cafeeiro e nos setores ligados a este. Colher grandes sacas evitava a queda da renda do setor, mesmo com a queda do valor da moeda nacional de exportação. Estes dois fatores, juntos, evitavam os efeitos do multiplicador do desemprego em momentos de queda de preços como foi entre 1931 e 1939. Sob este ângulo, Furtado enxerga a política de defesa do setor cafeeiro como um verdadeiro programa de fomento da renda nacional, anticíclica e que colaborou para amenizar as quedas da inversões da economia brasileira no começo da década de 1930. Em 1933, período de maior colheita, por exemplo, as inversões líquidas brasileiras foram de 1 milhão de contos, mas, por conta dos estoques de café que somavam 1,1 milhão de contos, o total foi de 2,1 milhão, valor próximo aos 2,3 milhão de 1929. Sendo assim, Furtado conclui que a recuperação da crise internacional não se deu via fatores externos.

Capítulo 32. Deslocamento do centro dinâmico
Ao mesmo tempo que a política de defesa assegurava a manutenção da renda, ela também era responsável por um desequilíbrio na balança de pagamentos uma vez que com a expansão interna do crédito, as divisas criadas pelo setor exportador eram insuficientes para cobrir as importações. Este fator, aliado à fuga de capitais e à necessidade de correção do desequilíbrio por meio de forte baixa do poder aquisitivo externo da moeda reduziam ainda mais o coeficiente de importação da economia. Essa situação cria oportunidade inédita para o setor que produzia para a demanda interna. Esse setor oferecia melhores oportunidades de inversão e ele se torna preponderante no processo de formação de capital e o mercado interno se torna o principal fator dinâmico da economia brasileira.

A rentabilidade no setor voltado para o mercado interno foi beneficiada tanto pela demanda nacional quanto pelo corte das importações que represavam a maior parte da demanda no mercado interno e não no externo. Ao mesmo tempo o setor exportador registrava queda nos lucros, o que beneficia a migração dos capitais deste setor para o ligado ao mercado interno, que se tornara mais atraente. Mesmo com a limitada capacidade de importar equipamentos para se expandir esse setor aproveita intensamente a sua capacidade já instalada, segundo suposição de Furtado. Essa condição cria estímulos para a instalação de indústrias do setor de produção de bens de capital, mas a instalação desse setor em uma economia subdesenvolvida e dependente era complicado. Contudo, as indústrias já instaladas, de ferro e aço e cimento registraram crescimento a partir de 1931, o que demonstra que a economia brasileira encontrou instrumentos de enfrentamento da crise dentro de seu próprio sistema e mais, conseguiu fabricar parte dos materiais que precisava para expandir sua capacidade produtiva independentemente das importações. Segundo Furtado, entre 1929 e 1937 a produção industrial cresceu cerca de 50%, a produção primária para o mercado interno, mais de 40% e a renda nacional aumentou em 20%, dados que mostram como o Brasil conseguiu se recuperar da crise enquanto os Estados Unidos, por exemplo, teve um decréscimo na renda per capita no mesmo período.

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