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quinta-feira, 30 de maio de 2013

Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana

MOURA, G. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Atualmente a cultura brasileira pode ser visto como um misto entre o que se produz aqui e fora do país. O estrangeirismo e suas marcas foram incorporados à vida no Brasil há muito tempo. O que o livro de Gerson Moura faz é lançar um olhar justamente sobre quando e por que a cultura norte-americana chega ou invade o nosso país propagando o “american way of life”. Contudo, esse padrão de influencia cultural esconde propósitos políticos daquele memento e para o futuro, além de se dar em uma via de mão dupla, porém com um fluxo muito maior de lá pra cá.
No cenário internacional, o período que antecede a Segunda Guerra Mundial se desenvolve num ambiente de depressão econômica e o surgimento de governos ultranacionalistas e regimes ditatoriais que se propõem a resolver as questões sociais e econômicas de seus territórios. Uma fase marcada por protecionismos, diminuição do comércio internacional e reforço de laços imperiais das potências europeias. O Brasil de Getúlio Vargas estreitava relações com a Alemanha por meio do comércio de compensação, trocas de produtos sem a necessidade do uso da libra ou do dólar como moeda intermediadora. O país europeu ainda propagava sua ideologia nazista por meio da propaganda para criar simpatia à causa.
Todo este quadro de proximidade entre Brasil e Alemanha preocupava os Estados Unidos que vinha de uma política mais dura com a sua vizinhança americana, fruto da política conhecida como big stick, que foi a forma como o país interviram na região do Caribe e demais países sob comando do presidente Theodore Roosevelt. No final da década de 1920 os governos latino-americanos começam a propagar as ideias de autodeterminação dos povos e valorizam a não-intervenção de outros países em suas políticas. Neste quadro de relativo afastamento, Franklin D. Roosevelt, eleito presidente dos Estados Unidos em 1933 inicia uma política de boa vizinhança. No lugar do caráter mais intervencionista e autoritário do Roosevelt anterior, esse novo governo começa a planejar uma interferência velada, por vias da comunicação, ideologia e da cultura. Um dos objetivos claros dessa política era cortar as relações da América Latina com a Alemanha. Os países do continente eram peça chave no neocolonialismo que acontecia com a Segunda Guerra Mundial e vendo sob esta ótica, a atuação dos norte-americanos sobre nossa região não deixa de ser uma competição pela conquista do território por meio da política e da dominação das mentes e corações e não por meios bélicos.
O meio desenvolvido para os norte-americanos entrar nessa briga foi a criação de um Birô em 16 de agosto de 1940, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs. Seus objetivos eram enfrentar as influências do Eixo nos países americanos e consolidar a posição de grande potência dos Estados Unidos. Estava em questão aí a segurança da nação e a posição econômica norte-americanas. No plano econômico, o Birô atuou para garantir suprimentos para os Estados Unidos e diminuir o fornecimento de matérias primas para a Alemanha por meio da compra de excedentes de produção e de materiais estratégicos da América Latina. Além disso, atuou sobre a saúde, a nutrição e a comunicação em seus países vizinhos. Segundo Moura, o Birô tinha quatro divisões: comunicação, relações culturais, saúde e comercial/financeira. Tentava se vender a ideia de democracia para uma América Latina marcada por ditaduras, portanto este era um produto sem muita aceitação no mercado. No lugar disso, o Birô pensou em interesses em comum, formulando a ideia de pan-americanismo.
“uma realidade fundada em ideais comuns de organização republicana, na aceitação da democracia como um ideal, na defesa da liberdade e dignidade do indivíduo, na crença na solução pacífica das disputas e na adesão aos princípios de soberania nacional” (MOURA: 1984, p. 24).
A questão do Brasil neste programa de influências norte-americana era chave devida a sua posição geográfica e política que afetava a posição de vários outros países desta parte do continente. Além disso, nosso país fornecia materiais essenciais para o esforço de guerra como borracha, manganês, minério de ferro, cristais de quartzo, areias monazíticas, óleos vegetais e plantas medicinais.
Das divisões do Birô, a que mais se destaca por sua atuação e influência foi a divisão de informações. Esta foi uma das áreas de atuação no Brasil, junto dos esforços na saúde e de alimentação. Estas duas tiveram propósitos em comum. Devido ao interesse de estabelecer bases militares no Brasil, era necessário garantir condições mínimas de sobrevivência para os soldados norte-americanos em solo amazônico. Neste sentido o objetivo era claro e usava, para tanto, os projetos de controle da malária, assistência médica a trabalhadores, treinamento de médicos e enfermeiras, melhoramentos das condições sanitárias por um lado a questão da saúde, e por outro o da alimentação por meio do auxilio no suprimento de alimentos prejudicados pelos problemas da guerra, fornecimento da técnica para a solução dos problemas agrícolas e nutricionais e o fortalecimento de um espírito de boa vontade por meio de programa agrícola cooperativo. Além da questão militar, esses benefícios incentivados também olhavam para a "batalha da borracha” e para a extração de minérios, ou seja, também garantia o suprimento para os esforços de guerra.
No campo da informação, o Birô disseminou a penetração cultural em cinco seções: imprensa, rádio, filmes, análises de opinião pública e ciência/educação. Por meio da imprensa os Estados Unidos conseguiram uma disseminação de notícias favoráveis ao governo norte-americano com o uso das suas melhores agências de notícia, a United Press e Associated Press.
“O trabalho do Birô Interamericano no Brasil se revestia, portanto, de um aspecto político vital: era necessário ganhar corações e mentes dos líderes políticos e militares brasileiros, sem cuja cooperação os planos estratégicos dos Estados Unidos iriam por água abaixo” (MOURA: 1984, p. 31)
Além das notícias, essa seção também atuava com subsídios aos jornais e revistas brasileiros, incentivos de anúncios de empresas norte americanas nos meios de comunicação daqui e criação e distribuição de folhetos. Além da cultura, esta ação também tinha como finalidade “assegurar uma reserva de mercado no continente para o pós-guerra” (p. 35). Na área cinema, a orientação era evitar a divulgação de filmes que ridicularizassem ou questionassem qualquer instituição norte-americana ou os países latino americanos. Nesta época os bandidos deixaram de ser os mexicanos. Havia intercãmbio e visitas de artistas entre os países. Artistas norte-americanos divulgavam a sétima arte por aqui, e artistas brasileiros, temperados para o sabor dos Estados Unidos, divulgavam a cultura tupiniquim na terra do Tio Sam. Também foram investidos esforços nos documentários que reforçavam a ideia de superioridade e poderio bélico norte americano e a natureza e a produção de bens primários latino americanos. No rádio eram produzidos programas da perspectiva da guerra psicológica do governo americano e era dirigido por especialistas de propaganda. Foi elaborada uma rede informativa com adesão de várias rádios da América Latina divulgando notícias e opiniões pró-Estados Unidos. Já na ciência e educação, foram feitos programas de assistência e intercâmbio entre os países. Moura observa que essa toca de conhecimentos se dava da seguinte forma: especialistas norte-americanos vinham até o Brasil ensinar e os estudiosos brasileiros iam até os Estados Unidos aprender – uma mão de via única também, portanto.
“A informação, divulgada e controlada pelo Birô, visava não só ganhar a batalha ideológica contra o fascismo (o alemão, em particular), como também afirmar um liberalismo específico, modelar, por ele mesmo chamado de ‘American way of life’”(p. 52).
Preocupados com a possível limitação da capacidade de exportar dos países latino americanos, os Estados Unidos propõem remédios bilaterais e multilaterais. Estes foram oferecidos por meio do organismo continental Inter-American Development Comission (IADC) que, por meio de estudos e planos, objetivava: 1) estimular e aumentar as exportações para os Estados Unidos; 2) estimular o comércio entre os países americanos; 3) encorajar a indústria nestes países, não a indústria pesada, mas sim a de bens básicos, bens de consumo. Moura ressalta que investimentos pesados não estavam nos planos do Tio Sam, mas a conquista de financiamento para Volta Redonda foi um ganho da posição de barganha privilegiada de Vargas.
“Tratava-se de um padrão de industrialização estritamente subordinada aos interesses econômicos americanos, reproduzindo em outro nível a velha complementaridade assimétrica” (MOURA: 1984, p. 62)
Já os remédios bilaterais davam conta de implementar o suprimento de matérias-primas, expandir os sistemas de transportes e ampliar a assistência financeira.
“Diante dessa tentativa de ‘intervenção cirúrgica’, os representantes de Londres no Rio concluíram que os americanos queriam fazer uma ‘limpeza na área’ com a finalidade de estabelecer para si mesmos um domínio comercial tranquilo após a guerra” (MOURA: 1984, p. 66) –
A atividade gerava uma acumulação de poder de compra, demanda acumulada. O Birô trabalhava no sentido de desenvolver um mercado que teria papel importante na manutenção do emprego e da renda da economia norte americana.
As atividades do Birô terminam em 1946, mas as influências norte americanas sobre o Brasil precisavam ser mantidas por meio dos noticiários jornalísticos. Com o governo Dutra vieram posições internas de anticomunismo identificadas com o combate a esses ideais pelos Estados Unidos. A nova orientação para o comércio internacional estabelecida em Bretton Woods tornou-se um dogma do governo brasileiro e reforçou-se a necessidade de exportação de bens primários e importação de bens manufaturados – uma medida que esgotou as divisas acumuladas pelo Brasil. Os Estados Unidos continuou preocupados com a educação dos brasileiros e incentivou programas de educação rural, para dar conta do problema agrário brasileiro para direcionar esse setor para uma competição lucrativa. No cenário de pós-guerra, o Plano Marshal dedicava grande atenção à reconstrução da Europa, mas também olhava para a América Latina pelo programa conhecido como Ponto 4, que se propunha a fornecer programas de assistência técnica e desenvolver a exploração de matérias primas nas áreas atrasadas. Já o foco nos países europeus era o reerguimento industrial, como contrapõe Moura.

No campo da informação, um mundo liberal e contrário à cortina de ferro socialista foi disseminado e abafava vozes distoantes deste discurso imposto pelos Estados Unidos. Havia, contudo, uma oposição brasileira por meio da música popular e também pro meio do movimento “O Petróleo é nosso” que foi contra um projeto de lei encaminhado pelo governo para o Congresso que permitiria presença de capital estrangeiro no refino e transporte de petróleo.

A mão de Washington na queda de Getúlio

MOURA, G. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1991. (pp 40-55)

A relação entre Estados Unidos e Brasil foi, como deixa claro Gerson Moura, baseada apenas nos interesses que os norte-americanos tinham em relação à sua posição política e econômica no cenário internacional. Os últimos anos do governo de Vargas é o período usado no texto do autor para mostrar de que forma essa relação de interesses foi estabelecida e como Washington compactuou e interferiu na queda de Getúlio.
Gomes divide as relações entre os dois países em três momentos. O primeiro é entre os anos de 1942 e 1944 e marca um apoio sem restrições. O contexto internacional é marcado pela Segunda Guerra Mundial e para os Estados Unidos a América Latina, em especial o Brasil, se tornara ponto estratégico. Neste período Vargas consegue barganhar com Washington colocando seu preço para o estabelecimento das relações dos dois países. As relações se estreitaram em 1942 quando Vargas decide entrar na guerra e o governo brasileiro se torna interessante para Roosevelt, mesmo o país estando sobre uma ditadura, embora não nos moldes fascistas.
Internamente, contudo, o conflito entre ser um governo autoritário e combater governos também autoritários na Europa gerava contradições e conflitos políticos. Iniciam-se movimentos a favor da democratização e se dividiam em duas tendências, uma liberal e outra socialista. A primeira tendência estava ligada aos grupo oligárquicos que haviam perdido o poder em 1930 e apoiavam um retorno à Constituição de 1981. Houve tentativas de mobilizar o exército a favor da causa liberal, mas os braços do poder de Vargas já havia abraçado esse grupo, assim como também havia garantido o apoio da classe trabalhadora por meio dos benefícios concedidos e pela organização sindical estruturada de forma que dê sua gestão esteja também nas mãos do governo. Além delas, as classes altas urbanas e rurais também era simpática à Vargas por serem favorecidos pelas suas políticas diretas e indiretas, no caso da estruturação do controle da classe trabalhadora.
Apesar do apoio ao governo brasileiro, Washington começava a se preocupar com o destino da política por aqui. Começa, em 1944 uma segunda fase das relações Estados Unidos-Brasil. De acordo com Gomes, este era um período de espera pelos desdobramentos do governo Vargas. Ocorrem a conferência de Bretton Woods, além de outros encontros políticos. São definidas as bases da política internacional de acordo com uma ordem econômica pensada a favor do livre comércio e de intervenções mínimas do Estado. No entanto, a política dos países latino americanos era marcada pela intervenção do Estado para, entre outros objetivos, a proteção da indústria nascente. O governo brasileiro até tentou se estabelecer como um aliado especial de Washington, porém a iniciativa foi negada e os norte-americanos preferiram manter distância do Brasil até que a democracia voltasse para o país.
No final de 1945, quando são articuladas as forças para a eleição de dezembro, é a terceira fase das relações entre os dois países na visão de Moura. Uma dessas articulações internas era a favor da continuidade de Vargas no poder para a elaboração de uma nova Constituição. Dentro desse grupo que defendia o que ficou conhecido como a tese da “Constituinte com Getúlio” estava também o Partido Comunista, motivo de sobra para a preocupação de Washington devido à ligação da esquerda brasileira com Moscou. A justificativa da continuidade de Vargas era pelo fato de que a Constituição de 1937 poderia dar a brecha para o próximo governo ser tão autoritário quanto Vargas.

Para as eleições contrapunham-se o governo que lançara o ministro da Guerra de Getúlio, Eurico Gaspar Dutra, e os liberais oposicionistas da União Democrática Nacional (UDN) que lançou Eduardo Gomes. Estes buscam o apoio dos Estados Unidos. A forma que os norte-americanos interviram na política brasileira foi por meio de seu embaixador Berle Jr. que discursara em favor da democratização e contra Vargas e que percebeu que a oposição ao governo aumentara após um discurso que proferiu em um jantar feito em sua homenagem por jornalistas.

Rumo à industrialização e à nova forma do Estado brasileiro

DRAIBE, S. Rumos e Metamorfoses. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Cap 1

O governo Vargas representou a construção de um aparelho econômico do Estado que centralizou poderes. A partir de 1930 o esforço foi de canalizar interesses sociais difusos em um interesse nacional bem definido. Até 1945, a construção desse Estado centralizador contou com criação de órgãos e instituições que comandavam as aplicações de recursos e os caminhos das políticas econômicas determinadas pelo governo objetivando o avanço da acumulação capitalista industrial.
Um dos órgãos que centralizou poderes e decisões foi o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). No intuito de modernizar o serviço público, o Dasp serviria não só para definir e controlar a carreira do servidor público, mas também extrapolava suas funções atuando como regulador legislativo principalmente no nível dos estados por meio de vetos aos planejamentos dos interventores. Conforme cita Draibe, os objetivos do Dasp eram também de tornar mais racional e meritocrática a seleção de novos servidores, porém pouco se conseguiu acabar com o favoritismo político, a patronagem e o clientelismo enraizados na cultura brasileira.
No plano do crédito e do câmbio, Vargas criou em 1945 a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). Até essa data, o Banco do Brasil era responsável pela administração das duas variáveis, principalmente depois da crise de 1930 que colocou nas mãos do banco público a questão do câmbio. Além disso, grande parte dos investimentos na área industrial e agrária na década de 1930 contaram com o suporte do Banco do Brasil. A Sumoc veio a somar e se tornar um mecanismo de regulação monetário-creditícia. Ela tinha entre suas funções a capacidade de “requerer emissão de papel-moeda para o Tesouro; controlar e receber com exclusividade depósitos dos bancos, pelo Banco do Brasil, delimitar taxas de juros dos bancos; fixar as taxas de redesconto e juros de empréstimos aos bancos comerciais; autorizar a compra e venda de ouro e cambiais; orientar a política cambial, etc.” (p. 78). O assunto crédito mereceu também especial atenção na década de 1930 e primeira parte da de 1940 com criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (1937), do Banco  de Crédito da Borracha (1942), das Comissões de Financiamento da Produção (1943) e de investimento (1944) e também da Carteira de Exportações e Importações (Cexim, em 1941) do Banco do Brasil que concedia incentivos para exportadores.
Além de apenas crédito, o governo criava políticas nacionais para fomento de ramos de produção e comercialização. São exemplos o Departamento Nacional do Café (1933), o Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool (1933), institutos nacionais do Mate (1938), do Pinho (1941), do Sal (1941), do Cacau da Bahia (1931), Departamento Nacional da Produção Mineral (1934), Conselho Nacional do Petróleo (1934), Conselho de Águas e Energia Elétrica (1939), Conselho Nacional de Minas e Metalurgia (1940) e, finalmente, no campo da industrialização, foram criadas as comissões Executiva do Plano Siderúrgico Nacional (1940), Executiva Têxtil (1942), Nacional de Combustíveis e Lubrificantes (1941), Nacional de Ferrovias (1941), Vale do Rio Doce (1942), da Indústria de Material Elétrico (1944), etc. Todas essas entidades representam a corporificação dentro do Estado da regulação da acumulação capitalista. As relações intercapitalistas só aconteciam quando estavam dentro destes organismos.
A centralização de Vargas também gerou o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), em 1937, que estudar o sistema monetário, dívida pública e a política cambial por exemplo. Tinha-se a intenção de criar um Conselho de Economia Nacional naquele mesmo ano com funções como elaboração de estudos para incrementar e aperfeiçoar a produção nacional, mas este nunca saiu do papel.  No entanto, no contexto da Segunda Guerra Mundial, órgãos com a mesma roupagem foram criados, como a Coordenação da Mobilização Econômica (1942) e os conselhos de Política Industrial e Comercial e de Planejamento Econômico, ambos em 1944.
A ação regulatória do Estado atingiu seu nível máximo no campo do mercado de trabalho. Com um caráter tutelar, o governo de Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1931, e, por meio de suas políticas, estatizou a luta econômica de classes usando de suas políticas de benefícios trabalhistas aliados ao extermínio de representações sindicais de esquerda conseguiu subordinar aos seus poderes o controle da massa de trabalhadores.
“O Estado criou uma base jurídica institucional para o funcionamento e integração do mercado de trabalho, e também organizou, sob sua tutela, o próprio sistema de representação classista, levando a extremos econômicos e sociais a sua ação regulatória e intervencionista” (p. 82).
“No que tange à extensão da ‘autoridade’ e à centralização de dispositivos de controle sobre a ‘realidade nacional’, a criação de um sistema nacional de estatística foi passo importante, conferindo maior consistência ao monipólio da informação por parte do Executivo Federal e, ao mesmo tempo, oferecendo subsídios à elaboração das políticas econômicas” (p. 85)
“Ai final do período em análise, o organismo econômico do Estado e seus dispositivos legais atuavam sobre os mecanismos fundamentais da economia capitalista: os salários, o câmbio, os juros e o crédito. Estavam determinados, pois, por meio do aparelho econômico e das ‘políticas’ do Estado, os condicionantes gerais da acumulação capitalista” (p. 86)
Enquanto o Brasil passava pela fase da industrialização restringida amadurecia também o projeto da industrialização pesada. Esse foi um período que observou a industrialização adquirindo a liderança e um papel dinâmico na economia além de provocar mudança na estrutura produtiva. O setor leve de bens de produção assume o comando da acumulação capitalista no Brasil graças aos incentivos que o governo concedeu à indústria como novas políticas de crédito, proteções tarifárias e abolição de impostos interestaduais, por exemplo. O projeto de desenvolver uma indústria pesada correspondia aos anseios da elite dirigente de se inserir na divisão internacional do trabalho, havia, porém, forças políticas favoráveis e contrárias a este processo, além da dificuldade de investimentos em infraestrutura e na indústria básica.
O governo de Vargas começa, então, a criar e estruturar uma série de planos e conselhos a fim de estudar a economia brasileira e orientar os investimentos. A Dasp, por exemplo, estipula uma porcentagem dos gastos no governo, sob a forma de um “orçamento especial” para investimentos públicos em 1939. A fonte seria taxas de operações cambiais, lucros sobre operações bancárias e vendas de obrigações do Tesouro Nacional. Grande parte dos investimentos foi para a área militar, principalmente por conta do contexto da Segunda Guerra Mundial.
Além do Dasp, outros agrupamentos foram surgindo com o intuito de centralizar as decisões de planificação e desenvolvimento econômicos. Durante um período, os conselhos Federal de Comércio Exterior (CFCE) e Técnico de Economia e Finanças (CTEF) atuam em estudos e planejamentos, mas a falta de estrutura não possibilitava uma atuação mais geral e efetiva para as necessidades daquela época. Surge também a Missão Cooke, fruto de uma necessidade de planejamento para os esforços da guerra, trabalha em estudos para a internalização da produção de insumos e equipamentos para modernizar a indústria brasileira. Também no contexto da guerra, surge em 1942 a Comissão de Mobilização Econômica, que aumenta a intervenção estatal na economia.
O governo segue com criações de comissões e conselhos com os intuitos de se chegar a órgãos para discutir e coordenar as decisões de investimento. Eles foram, como aponta Draibe, um dos mecanismos usados por Vargas para contornar a resistência à intervenção estatal uma vez que propiciava um canal direto com o setor privado abrindo a participação deste setor nas tomadas de decisões e estabelecimento de prioridades e controles. Contudo, o governo esbarra nos problemas fiscais e financeiros para provir recursos para a industrialização. São propostas saídas como novas alíquotas do Imposto de Renda e tacas sobre os Lucros Extraordinários das empresas, além da criação de fundos para fornecer recursos a diversos setores. As alternativas para os problemas com as bases fiscais estava na forma como as empresas da indústria pesada seriam financiadas. Duas linhas se contrapunham:  criação de uma sociedade autônoma para fornecer os recursos ou a estruturação do setor pesado por meio de empresas estatais. A solução mescla as duas alternativas, e são criadas empresas públicas dos setores de ferro e aço, energia elétrica e química pesada por meio de alianças com o capital estrangeiro.
“(...) pode-se dizer que novos, efetivamente, foram os órgãos criados, inéditos foram os instrumentos institucionais de que passou a dispor o poder centralizado, inovadores foram as formas e tipos de regulação e controle que caracterizaram, agora, armação econômica estatal” (p. 109)
A questão central, portanto, passa pelo papel importante que o Estado teve no desenvolvimento de um estado capitalista por meio de seu papel centralizador e ativo. O governo Vargas teve em suas mãos a capacidade de interferir em todos os preços fundamentais da economia ao controlar a moeda e o crédito, o comércio exterior, os salários e a gestão da força de trabalho e também tinha uma estrutura tributária em transformação.  O governo marca não só uma complementação da indústria, mas também um alto grau de descontinuidade com a estrutura anterior à década de 1930. Seu intervencionismo, contudo, tem uma dupla face. De um lado profundo e abrangente por conta das formas como se pensou a industrialização por meio de órgãos, conselhos e comissões que centralizavam as decisões e os recursos para o desenvolvimento. E também limitado tanto por conta da base fiscal para a industrialização quanto por conta dos conflitos políticos que estavam no seio do governo e contrapunham ainda uma burguesia exportadora contrária à indústria e ao intervencionismo e uma fraca parcela com mentalidade industrial e a favor da autonomia estatal e do progresso social.


A visão brasileira da crise mundial

HILTON, S. O Brasil e as grandes potências: os aspectos políticos da rivalidade comercial 1930-1939. Rio d Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. Cap 1: “A visão brasileira da crise mundial” (pp. 28-78)

Faziam parte do cenário brasileiro do pré-crise mundial: concentração urbana ao longo da costa, rede de transportes inadequada, comunicações com o interior desenvolvidas apenas no Sudeste, taxa de mortalidade infantil elevada, metade da população analfabeta, mercado nacional integrado inexistente e dependência das exportações primárias. O cenário justificava um pessimismo e os primeiros anos do governo Vargas foram marcados pela instabilidade política entre conservadores a favor da volta do governo constitucional e elementos radicais. Até houve abertura política, mas ela serviu para acirrar ainda mais os ânimos culminando no golpe do Estado Novo que ocorreu em 1937.
No cenário externo, a instabilidade dominava as relações políticas que evoluíam para a segunda guerra mundial. “Uma selvagem luta pelos mercados ultramarinos e por fontes de matérias-primas era encarada como a essência do conflito econômico” (p. 39). Esse cenário, aliado à ausência de poderio militar no Brasil , contribuíam para o surgimento de o medo da sua vulnerabilidade e da possibilidade de exploração, fruto da concorrência internacional. O fato de a África ser tomada por essa corrida por mercados fez com que os policy-makers brasileiros se voltassem para o interior de nosso território, a fim de não deixa-lo desocupado.
Havia uma visão de que o Brasil deveria ser a grande potência na região sul-americana do continente. Era importante que não houvesse envolvimentos com conflitos europeus e que o país não se tornasse dependente de nenhuma outra nação por meio da promoção da industrialização e intensificação do comércio exterior. Para cumprir esse objetivo era preciso ampliar a intervenção e a supervisão do Estado. A indústria tinha papel chave na política de Vargas que visava o desenvolvimento econômico equilibrado. O desenvolvimento da siderurgia, por exemplo, tinha o objetivo de impulsionar a industrialização e a segurança nacional no sentido de diminuir a dependência brasileira das importações desses materiais e de autopreservar o Brasil.
A capacidade de fabricar aço era, inclusive, o problema máximo da economia brasileira sob supervisão de Vargas. Contudo a questão envolvia capital e não havia investidores norte-americanos ou europeus capazes ou dispostos a aplicar os recursos no desenvolvimento da metalurgia no Brasil que ainda dependia do crescimento do mercado interno e de melhoria nas qualificações técnicas no país.
“Vargas declarou, em 1930, que não apenas o ‘desenvolvimento industrial’ do país, mas também a ‘própria segurança nacional’ requeriam que o Brasil desenvolvesse sua própria indústria siderúrgica, de modo a obter uma maior independência em face dos fornecedores estrangeiros” (p.46)
Nesse contexto, quem se beneficiava do apreço de Vargas pela indústria era o setor têxtil. Além deste, setores como do cimento, carne, borracha, vidro, entre outros também gozaram de isenções tarifárias para se desenvolverem. Tarifas sobre produtos importados para proteger e dar condições de desenvolvimento e competitividade da indústria nacional também eram adotadas.
Além da economia, Vargas também se voltou para a questão social. Em 1937 baixou um decreto estabelecendo o primeiro Ministério de Educação e Saúde e um código que previa gasto mínimo de 10% dos recursos locais na educação pública. Ele também criou o primeiro Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e decretou leis limitando a jornada de trabalho, dando garantias de férias pagas, salários mínimos e aposentadoria. Essa preocupação mostra como a questão do “capital humano” era um ponto primordial para o processo de desenvolvimento.
A industrialização brasileira se intensificou depois de derrotada a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932. Hilton afirma que a saída da crise internacional poderia ter se dado antes de 1933 caso a revolução paulista não tivesse ocorrido. O fato é que, segundo o autor, a taxa de crescimento anual entre 1933 e 1939 foi de 11,2%. Em 1938 a indústria doméstica respondia por 85% do fornecimento de produtos manufatureiros. Essa era uma fase, considerada por Vargas, como a “fase inicial de consolidação” que acreditava que a atuação conjunta entre governo e indústria era fundamental para superar os obstáculos do setor.

No campo do comércio exterior, Vargas queria diminuir a dependência das exportações do café promovendo uma diversificação da pauta e aumentar as vendas de matérias primas e produtos alimentícios. Num cenário de guerras, o campo para as vendas desses itens era favorável na visão do presidente. Apesar disso, a concorrência por novos mercados na África do Sul foi um dos maiores desafios para o brasil na década de 1930.

A lógica do “Quem tem ofício, tem benefício”

GOMES, A. C. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. Cap 4: A lógica do “Quem tem ofício, tem benefício” (pp. 189-204)

A autora mostra a forma como o governo Vargas construiu a imagem de um governo generoso que anteviu as necessidades dos trabalhadores e propiciou benefícios nunca antes vistos na história brasileira. É fato que o governo de Vargas usou da questão social em sua campanha eleitoral, como expôs autores como Boris Fausto. O que é mostrado, aqui, é a forma como o governo construiu a lógica do trabalhismo e, como ela expõem no título do capítulo aqui resenhado, a lógica do “Quem tem ofício, tem benefício”.
Dois personagens são centrais na construção das relações entre Estado e trabalhadores: o político pernambucano Agamenom Magalhães e o advogado paulista e deputado Marcos Filho. Além destes personagens, o cenário político contava ainda com o que o governo chamava de ameaça comunista que era a organização da esquerda política com ideais comunistas na Aliança Nacional Libertadora (ANL) com influências também em sindicatos. Ameaça essa que culmina na Lei de Segurança Nacional e motivava as intervenções da polícia em entidades consideradas de esquerda.
Agamenom Magalhães foi conduzido à chefia do Ministério do Trabalho para fazer política e “apertar os parafusos” nas relações Estado e trabalhadores. As repressões e intervenções da polícia reduziram a esquerda brasileira a ponto de inaugurar a partir de 1935 um novo quadro na vida política brasileira. Além de oprimir sindicatos de esquerda, o governo também criava sindicatos “oficiais” com lideranças fictícias. Essas criações foram importantes para condicionar os benefícios sociais criados por Vargas criados para os trabalhadores à sindicalização desses trabalhadores – daí vem a máxima colocada logo no título “Quem tem ofício, tem benefício”, ligando o benefício de ter uma carteira de trabalho assinado apenas aqueles que se aliavam aos sindicatos oficiais.
Esta é uma forma de controle da classe trabalhadora mascarada com uma lógica de retribuições e generosidade do governo.É o que Gomes chama a atenção para a “ideologia da outorga”: os benefícios são presentes generosos outorgados pelo Estado, visto como uma autoridade paterna (Vargas sendo o pai dos pobres) que não faz um negócio com prazo de validade, porém mantém obscura suas intenções. Essa lógica de retribuições cria também hierarquias, é um mecanismo gerador de relações sociais cristalizadas, como diz Gomes. Para essa análise a autora usa outros especialistas para mostrar que a construção do benefício trabalhista ser dado sem ser solicitado faz com que aqueles que receberam o presente ficam com débito de obrigação com o governo. Cria laços de lealdade daqueles que estão nas classes menos favorecidas por receberem  das mais ricas a assistência social.
Em 1942 e a iminência do Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial a política passa por uma crise, dividida entre favoráveis entre entrada ou não do país no conflito mundial e entre a incoerência de se combater governos autoritários fora do território nacional e manter um regime autoritário localmente. Como parte do pano de fundo desses conflitos estão também os acordos em andamento entre Estados Unidos e Brasil que envolviam não só desenvolvimento industrial brasileiro, mas também a instalação de bases militares norte-americanas no nordeste brasileiro. Da crise, entra na cena o segundo personagem: Marcondes Filho é nomeado para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Marcondes tem um papel fundamental na reabertura democrática. Em seu discurso de posse, o político mostra três iniciativas fundamentais para sua gestão: nova lei de caráter corporativista para dar uma nova roupagem aos sindicatos, instituição da Justiça do Trabalho e desenvolvimento da atuação ministerial na área previdenciária. Marcondes ainda assumiu a pasta da Justiça por certo período. O principal objetivo era estreitar os laços entre Estado e classe trabalhadora por meio de maior controle sobre os movimentos sindicais, mas com abertura para os representativismos dentro da classe.

O período Vargas: 1930-45

NEUHAUS, Paulo. História monetária do Brasil 1900 – 45. Rio de Janeiro: IBMEC, 1975. Cap IV: “O período Vargas: 1930-45” (pp. 97-128)

Os extremos do período analisado por Neuhaus, 1930 a 45, marcam, respectivamente, o colapso das políticas econômicas da República Velha e o início da unificação do controle da política monetária a partir da criação da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). O autor aponta uma série de qualificações do debate que problematiza a afirmação de Celso Furtado sobre a recuperação brasileira da Grande Depressão ter um caráter keynesiano. O autor cita, por exemplo, Peláez, crítico de Furtado, e aponta que não foi apenas a criação de moeda que financiou a dfesa do café, mas também a criação de impostos sobre a exportação. Além disso, entra na lista também, por exemplo: eventos exógenos que desviaram o governo do equilíbrio fiscal, grau razoável de flexibilidade de preços e salários que foram capazes de absorver efeitos da crise e aumento das exportações de algodão que compensaram a crise do setor exportador nacional.
Durante a depressão internacional, a situação brasileira era “anormal” devido a boa colheita de cereais, melhoria na indústria têxtil, aumento do valor de exportação de alguns itens como algodão e carne e até aumento no volume físico de exportação de café. Em 1930 os preços do café continuam a cair e as exportações registram variação negativa de 30%. A situação brasileira é também agravada por problemas políticos que paralisam o comércio e a indústria. A saída de ouro para o exterior obriga o governo a adotar medidas extremas. Neste período decreta-se o feriado bancário em 6 de outubro de 1930, o Banco do Brasil passa a assumir o monopólio das transações cambiais, é reaberta a Carteira de Redesconto do Banco do Brasil e o controle da política do café é passada gradualmente das mãos dos Estados produtores para as mãos do governo federal que impõe impostos sobre sacas exportadas e proíbe novas plantações de café. As desvalorizações cambiais ininterruptas, praticadas a partir de 1930, beneficiaram os setores substituidores de importação que passaram a ser o alvo da demanda doméstica.
Em 1931 cessa a contração dos meios de pagamento e ocorre um aumento na oferta de moeda de 16,1%. Neuhaus diz ser reveladora a ligação entre a recuperação e as expansões monetárias. Ele cita Friedman e Schwartz que dizem que a recuperação norte-americana teria sido efetiva se fosse acompanhada por expansões da base monetária. No Brasil, o sistema bancário foi estável durante a depressão enquanto que nos Estados Unidos crises bancárias atrasaram a recuperação da economia. Além deste fator, a estabilidade brasileira foi reforçada com as moratórias decretadas em 1930 e 1932 e com a criação da Caixa de Mobilização Bancária (Camob) que iria absorver ativos não líquidos que estava atrapalhando as carteiras dos bancos.
A Camob, segundo o autor, teve papel importante na recuperação. Ele foi formado como um pool de reservas compulsórias dos bancos comerciais. Seu propósito era restituir fundos para bancos que possuíssem grande percentagem de ativos de longo prazo e de baixa liquidez em sua Carteira. A Caixa de Mobilidade permitiu ao Banco do Brasil mais flexibilidade para atender às necessidades do Tesouro e do Departamento Nacional do Café. Além disso, seu papel foi importante com o Reajustamento Econômico, de 1933, quando se perdoou 50% das dívidas  de fazendeiros e pecuaristas contraídas antes de julho de 1930 – essa foi uma nacionalização das dívidas agrícolas, uma vez que a maior parte dos fazendeiros tinha como credor os bancos privados e o reajustamento permitiu à Camob incluir apólices entre as operações desse banco.
“Parece, portanto, que o programa de Reajustamento foi um dos elementos (embora não fosse provavelmente um dos mais importantes) responsáveis pela recuperação econômica do brasil a partir de 1932 removendo, simultaneamente, do sistema bancário o ônus das insolvências que afetaram o setor agropecuário em consequência da Depressão” (p 125).
Após o golpe, em 1937, a deterioração da balança comercial forçou o governo a suspender o serviço da dívida e o Brasil deteve o monopólio das operações cambiais. As complicações do cenário internacional fizeram as exportações para a Alemanha despencarem e o Brasil fechou acordos com os Estados Unidos de Roosevelt. O acordo previa suprimento de combustíveis e bens de capital enquanto durassem a guerra, além de compromisso de compra de café e outros bens brasileiros e concessão de créditos de longo prazo via instituições norte-americanas. Entre 1941 e 1946 houve superávits ininterruptos na economia brasileira. Em 1942, no entanto, a escassez de combustíveis e matérias primas forçou a imposição de controles e racionamentos que provocaram queda no PIB real.
Em todo esse período, a expansão monetária havia sido usada como instrumento para financiar as necessidades do Tesouro. Crescimentos da base monetária eram seguidos de crescimentos do produto real. Medidas importantes de incentivo aà indústria também foram tomadas nestes anos, como a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil em 1938.
Em 1942, com a declaração de que o Brasil entraria na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo e a criação de plano para financiamento da guerra e da inflação provocou corrida aos bancos. Uma medida contra essa saída de papel-moeda foi o feriado bancário de oito dias naquele ano e a criação de uma nova moeda, o cruzeiro, para desencorajar o entesouramento. Neste mesmo ano o governo decretou medidas para frear a expansão monetária. Uma delas era o lastro de 25% em ouro. Outra foi a limitação de moeda unicamente para fins produtivos e não mais para as necessidades do Tesouro.

Em 1944 o Brasil participa da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, em bretton Woods. Decide-se, então, criar a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) em 1945. Seu objetivo era coordenar a política monetária pois havia um descontentamento com a intensidade da expansão monetária e da inflação daquela época. Dentre as funções da Sumoc estavam, por exemplo, ser responsável pela decisão de emissão de moeda, regular taxas de juros, operar no mercado aberto com títulos do governo e regular a indústria bancária. Além de coordenação, o objetivo da Sumoc era de também lançar as bases para a criação do banco central brasileiro, que será feito em 1964.

Tendência do investimento na indústria de transformação

SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. Nova edição. São Paulo: Hucitec, Ed Unicamp, 2000. Cap. 02. Item 2.3.1 “Tendência do investimento na indústria de transformação” (pp. 82 – 96)

Investimentos na indústria de transformação até o século XIX foram limitados. O Brasil começa aquele século com essa atividade proibida e é liberada apenas em 1808, porém o desestímulo continua dados acordos comerciais com a Grã-Bretanha. Só em 1844 foi adotada a primeira forma de proteção tarifária à indústria, desfavorecida, no entanto, pelo valor externo na moeda local. Apenas na segunda metade do século com o progresso econômico em aceleração devido aos preços do café e expansão do algodão os investimentos aumentaram, mas a produção era restrita a poucos bens de consumo. Especialmente após 1865 a indústria recebeu mais investimentos. Suzigan analisa momentos distintos de surtos de investimento e recessões.
1. A expansão das exportações de algodão e de café, políticas econômicas expansionistas e aumento do investimento, 1869-1873: aumento do investimento da indústria neste período tem relação com a Guerra do Paraguai devido ao financiamento do conflito a partir de emissão de moeda. Essas políticas aliada ao incentivo vindo do comércio do café e do algodão aumentaram a demanda agregada. A política inflacionária geram depreciação do câmbio e proteções que beneficiaram o produtor focado na demanda interna. Medidas deflacionárias, em 1870, apesar de reduzirem a proteção, propiciaram importações de maquinários a preços menores. As décadas de 1860 e 1870 registraram aumento nas pequenas fábricas de algodão.
2. Políticas deflacionárias, estagnação das exportações e declínio do investimento, 1874-1879: a política deflacionária em curso após a Guerra do Paraguai prejudicou os investimentos por reduzir os estoques de moeda e provocar declínio no nível geral de preços, provocando recessão. O período ruim para a indústria contou ainda com uma crise bancária em 1875, alterações na política comercial com redução nos direitos de importação e mudanças nas taxas de câmbio que se valorizaram tornando a competição entre produtos importados e nacionais desfavoráveis à indústria local.
3. Expansão das exportações, política monetária expansionista e aumento do investimento, 1880-1895: o crescimento da renda impulsionado pela expansão das exportações, a construção de ferrovias e estímulo à imigração aumentou a demanda por produtos industrializados e a oferta de trabalho. Política monetária e sua expansão do estoque de moeda e facilidades no crédito promoveram um pico de investimento. Apesar de aumentos e reduções na proteção dados a oscilações do câmbio e variações nos preços internos e externos, a indústria têxtil de algodão registrou aumento substancial. O número de fábricas aumentou, a produção se diversificou, os investimentos foram modernizados. Além desta, surgiram as indústrias moageira, da cerveja e de fósforos. A indústria metalmecânicas expandiu a produção, a de açúcar também começou a se modernizar e iniciaram os investimentos na indústria de papel e de ferro-gusa.
4. Crise cafeeira, políticas deflacionárias e queda do investimento, 1896-1901: crise noo setor agrícola exportador de café e política de deflação implementada pelo governo prejudicaram a indústria no período. Apenas a indústria têxtil e de moagem  d trigo aumentaram a capacidade de produção.
5. Expansão das exportações, política econômica expansionista e aumento do investimento, 1902-1913: este é o período de criação do Convênio de Taubaté (1906). As políticas de valorização, fiscal e monetária, resultou em crescimento de toda a economia, valorização do câmbio e estabilidade dos preços internos. A consequente valorização da taxa de câmbio real protegeu a indústria interna: essa combinação gerou incentivos para os investimentos na indústria de transformação.
6. O choque adverso da Primeira Guerra Mundial e o declínio do investimento, 1914-1918. Os conflitos internacionais reduziram os investimentos na indústria brasileira, explicados pela queda das importações de máquinas para o país. Apesar disso, setores como o de processamento de carne, açúcar e óleo de caroço de algodão receberam investimentos e suas exportações aumentaram durante a guerra. O papel e outros produtos cujas produções externa foram prejudicas pela guerra também receberam investimentos.
7. O auge da economia agrícola-exportadora e a expansão do investimento, 1919-1929: os níveis de investimento se recuperaram e ficaram elevados em todo o período pós-guerra. Novos programas de valorização do café impulsionados pela recessão internacional no início da década de 1920, aliadas às políticas monetárias com foco nos preços interno beneficiaram o crescimento anual da renda real e da capacidade de importar. A década de 1920 é marcada por uma maior diversificação dos investimentos. Neste período foi instalada a primeira fábrica de cimento e cinco siderúrgicas. Aumentou a produção no setor de metalmecânica com fabricação de máquinas agrícolas pesadas, algumas máquinas e equipamentos industriais mais simples e etc. Aumentou o investimento na fábrica de papel. Novas indústrias começaram a ser instaladas: de borracha, química, perfumaria e farmacêutica.
8. O impacto da crise do café e da Grande Depressão sobre o investimento na indústria de transformação, 1930-1932: os três primeiros anos depois após a crise internacional marcou o crescimento brasileiro com taxas negativas. Apesar de forte redução nos investimentos da indústria, dois setores registraram investimentos no período: o de cimento e o de fios de raiom. Os efeitos da Grande Depressão foram menores que os efeitos da Primeira Guerra Mundial, observa Suzigan.

9.A defesa do café, a política econômica expansionista e o crescimento do investimento, 1933-1939: a explicação para a rápida recuperação brasileira frente á crise internacional passa pelas políticas anticíclicas de 1931 e as mudanças do comércio, com depreciação cambial, aumento dos preços de importação e restrições de importação. Políticas expansionistas mantiveram a renda interna e a protegeram dos efeitos da crise. A depreciação cambial foi importante para reordenar a demanda para os produtos fabricados internamente. Este foi o período que a produção das indústrias que substituíam as importações aumentou substancialmente apesar dos preços de importação desfavoráveis.

“A grande depressão e a estagnação da renda real, 1929-1939”

VILLELA, A. V. e SUZIGAN, W. (1973). Política do governo e crescimento da economia brasileira – 1889-1945. 3ª ed. Brasília: IPEA, 2001. Cap. 06, Item 6.3.1 “Mudanças estruturais” e 6.5 “Produção industrial”

 6.3 Produção agrícola
6.3.1 Mudanças estruturais: predomínio da agricultura para o mercado interno
Os autores mostram, por meio de dados dos valores das principais culturas, das áreas cultivadas dos principais produtos brasileiros e as taxas anuais de crescimento da produção agrícola no país que, a partir da crise de 1929, o setor agrícola sofreu fortes modificações. Além da queda nos preços do café, houve duas importantes mudanças. A primeira é o crescimento da importância do algodão na pauta exportadora entre 1925 e 1943. A variação do valor da produção de algodão entre esses dois extremos foi de mais de 200% enquanto a do café houve decréscimo de 66%. A segunda foi o aumento “extraordinário” na importância da produção para o mercado interno. Essa produção passou a representar 58% do valor da produção das lavouras.

6.5 Produção industrial
Enquanto o café passava por um momento difícil com os preços internacionais, a produção industrial foi beneficiada pela situação do comércio exterior após a crise de 1929. As desvalorizações cambiais provocaram uma proteção à indústria nacional. A indústria de tecidos nacional, por exemplo, teve aumento da demanda por conta das dificuldades com o comércio internacional, além de ter sido beneficiada de uma capacidade ociosa acumulada durante os anos anteriores à crise. Além desse setor, a produção industrial como um todo cresceu entre 1930 e 1939: 70% das indústrias existentes de 1940 foram fundadas depois de 1930; a participação da indústria na produção nacional aumentou de 21%, em 1919, para 43%, em 1939; e a taxa média anual de crescimento no decênio 1929-1939 foi de 8,4% – sendo que a taxa foi de 1% entre 1929-1933 e de 11,2% até o último ano do período –, enquanto a agricultura registrou 2,2%.
Ressalta-se que esse crescimento foi dado mesmo com a proibição de importações de novas máquinas. A indústria têxtil paulista, por exemplo, chegou em 1940 com uma parcela de 51,2% da produção nacional de tecidos, mas em 1936 os teares eram os mesmos de 1927. Essa situação prejudicava a competitividade do produto nacional com o estrangeiro, deteriorava os termos de troca e gerava preços elevados por conta dos altos custos. Só com a II Guerra Mundial que o país conseguiu exportar mais tecidos devido à disposição dos comércio internacional em pagar os preços elevados brasileiros num cenário de escassez de ofertas.
“É importante lembrar que a industrialização dos anos trinta ocorreu apesar das condições adversas do comércio exterior, principalmente do baixo nível das relações de troca durante esses anos, o que limitou severamente a capacidade de importar, de vez que as entradas de capitais foram inexpressivas. Como a indústria de equipamentos estava em sua infância, a capacidade de importar era crucial para a continuidade do processo de desenvolvimento” (p. 219)
Grande parte do capital fixo da indústria brasileira havia sido importado na década de 1920. Nessa época foram importadas grande parte dos equipamentos da indústria têxtil e foi também um período da implantação das indústrias de cimento e aço que possibilitaram a expansão das ferrovias e da capacidade instalada para distribuição de energia elétrica no país. Mesmo com limitações às importações de máquinas, a maturação desses investimentos permitiu um aumento contínuo da produção das indústrias básicas que sustentaram um desenvolvimento industrial mais extenso e firme, como alegam os autores.

Sendo assim, a equação que possibilitou o crescimento da indústria entre 1933 e 1939 se deu na soma de três fatores: a política cambial que estimulou a substituição de importações; a utilização da capacidade ociosa da indústria básica implantada na década anterior; e o estímulo do Governo via criação de Carteira de Crédito Agrícola e Industrial no Banco do Brasil. Frente a estes estímulos, a indústria de 1939 já mostrava algumas diferenças em relação a 1919: a indústria básica (exceto a de cimento) duplicou a participação no valor adicionado da indústria; as indústrias tradicionais perdeu 12 pontos percentuais na sua participação no valor adicionado da indústria, mas ainda registrava 60% deles; e a indústria química e farmacêutica triplicou a participação no período.

FEB, capítulos 27 a 32

FURTADO, C. (1959) Formação econômica do Brasil. 34 ed. São Paulo: Companhia das letras, 2007. Caps 27-32

 Capítulo 27 ao 29
Após discutir mudanças no mercado de trabalho, fluxos de renda e níveis de renda na economia brasileira do final do século XIX e início do XX, Furtado foca suas atenções na tendência ao desequilíbrio externo. O autor inicia estre trecho discutindo os problemas que o novo sistema econômico baseado no trabalho assalariado apresentava, principalmente a adaptação às regras do padrão-ouro. Segundo Furtado, o trabalho assalariado provoca um aumento na procura monetária e essa procura tendia a crescer mais que as exportações.  Parte da renda criada pelas exportações crescentes precisava ser satisfeita por importações. Com as oscilações de preços dos produtos primários, dada a crise nos centros industriais, fazia-se necessário a mobilização de reservas metálicas para manter o nível de procura por importações. Essa compensação monetária, no entanto, não era suficiente o que gerava desequilíbrio e inflação. O descompasso entre a contração do valor das exportações e a procura por importações era a fonte dos desequilíbrios iniciais.
Após discutir o problema gerado pela inadaptabilidade ao padrão-ouro, o autor passa a discutir a defesa do nível de emprego e a concentração da renda. A situação do mercado de trabalho da época e a inexistência de pressões da mão-de-obra sobre os salários possibilitava que os empresários investissem na expansão das plantações deixando de lado as melhoras na produtividade da terra e da mão de obra. Outro fator que propiciava a essa renúncia da técnica era a abundância de terras. Furtado volta à discussão do desequilíbrio externo. As correções dos preços internacionais por meio da taxa cambial geravam um conceito famoso de Furtado: as socializações de perdas. Enquanto as alterações no câmbio prejudicavam aqueles que importavam por meio de bens mais caros, os exportadores se beneficiavam obtendo quantias maiores em moeda nacional. A partir desse instrumento e dos movimentos cíclicos da economia brasileira o autor mostra como a renda se concentrava no país, afinal, mesmo em ciclos desfavoráveis os empresários continuavam sua acumulação por meio das desvalorizações cambiais que garantiam rendimentos em moeda nacional. Por fim Furtado discute a defesa do nível de emprego alegando que era necessário aos empresários manter o volume de mão de obra empregado mesmo durante os períodos de crise uma vez que se mostrava vantajoso continuar exportando. Sem danos no lucro do empresário, a defesa do emprego seria garantida.
Essa estratégia de usar a taxa cambial como instrumento para garantir os lucros dos empresários do café teve efeitos sobre outros grupos sociais. O encadeamento dos efeitos da desvalorização do câmbio passa pela dívida pública do Estado brasileiro e pela necessidade de emissão de papel-moeda para cumprir com as obrigações do poder público. Aumento indiscriminado das emissões desencadeava um processo inflacionário prejudicial às classes não-proprietárias, como assalariados e classe média urbanos, produtores agrícolas e empresas estrangeiras. As relações de poder entre governo e capital cafeeiro ficam abaladas com a ascensão política desses novos grupos, uma vez que o “controle que antes exerciam aqueles grupos agrícola-exportadores sobre o governo central” (p. 248) é reduzido frente às pressões feitas pelos indivíduos que também sofriam com a inflação e as desvalorizações cambiais. Além disso, a proclamação da República e consequentemente a desejosa autonomia regional gera expansão no crédito por meio de bancos regionais, o que também colabora, com depreciações cambiais e mais pressões sobre a classe assalariada, especialmente a urbana.

Capítulo 30
Condições endógenas e exógenas propiciaram a expansão do café brasileiro no final do século XIX: a produção asiática perdeu grande parte de seus cafezais e internamente o programa de imigração passa para as mãos do Estado e uma grande inflação de crédito beneficiou os cafeicultores permitindo a abertura de novas terras e elevou o preço do produto em moeda nacional com a depreciação cambial. A vantagem relativa para o Brasil produzir café e mais, a tendência era de crescimento da produção dada a abundância de terras e da disponibilidade de mão-de-obra.
As condições para o país eram excepcionais e garantiram o monopólio do produto com o controle de 75% da oferta mundial naquele século. Situação essa que possibilitou vantagem no combate a crise de preços nos primeiros anos do século XX. Os estoques, então, seriam vendidos ou retidos de acordo com a demanda dos países importadores e bastavam recursos financeiros para reter essas partes da produção fora do mercado. A partir da crise de 1893, o instrumento da depreciação externa da moeda absorveu seus efeitos, mas no final daquele século a pressão dos consumidores urbanos tornou inviável o uso recorrente de desvalorizações. A superprodução agrava a situação da época.
Política de valorização do café, elaborada no Convênio de Taubaté (1906):
a)      Compra dos excedentes pelo estado para reequilibrar oferta e demanda;
b)      Financiamentos feitos com empréstimos estrangeiros;
c)      Serviço do empréstimo seria coberto com imposto em ouro sobre as sacas exportadas;
d)     Governadores dos estados deveriam desencorajar a expansão do café.
A descentralização republicana havia aumentado os poderes regionais dos estados produtores de café e as medidas adotadas pelo Convênio de Taubaté, em 1906, geraram polêmicas que refletiam as transformações na estrutura político-social. O primeiro esquema de valorização foi feito diretamente pelos estados produtores, sem apoio da União, e com ligações diretas com o capital externo. O governo se viu forçado a assumir a tarefa de executor da política de valorização e isso garantiu o poder da burguesia cafeeira até 1930, submetendo o governo aos seus interesses econômicos.
Como consequência desse plano, os lucros se mantiveram elevados e, consequentemente, os empresários do setor continuavam a elevar as inversões até o limite de fazer pressões sobre a oferta. Era preciso evitar que a capacidade produtiva continuasse a crescer, mas para isso era preciso apresentar outra alternativa rentável aos donos dos recursos. Esses estímulos artificiais que a economia cafeeira recebia a incentivava a crescer cada vez mais. A demanda, entretanto, continuava a evoluir dentro de seus parâmetros tradicionais, ou seja, o consumo de café não aumentava na mesma proporção que a renda na década de 1920. Essa situação gerava um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura.
Furtado aponta os erros daquela política de valorização do início do século XX: segundo ele o equilíbrio entre oferta e demanda dos produtos coloniais se dava quando a procura atingia a saturação do mercado e a oferta ocupava todos os fatores produtivos possíveis. Era necessário um desestímulo aos produtores de café, mas não se apresentava, naquela época, uma alternativa de produto colonial tão rentável quanto o café e que se encaixava nos moldes de uma política de valorização como a que foi feita para o setor cafeeiro. Como não foi essa a alternativa seguida naquela época, o capital estrangeiro foi utilizado para financiar os estoques a fim de tentar reequilibrar o mercado do produto. Entretanto, com a crise de 1929 e a fuga maciça de capitais sumiu com as reservas metálicas feitas até então.
Capitulo 31. Os mecanismos de defesa e a crise de 1929
Quando a crise de 1929 estourou a produção de café continuava a aumentar os estoques devido às plantações feitas anteriormente e o crédito no exterior se tornara impossível dada a depressão do mercado financeiro internacional. A despeito da discussão sobre o que fazer com o café que estava no campo, o que se tornava mais importante era descobrir quem pagaria o ônus das perdas.
“a economia havia desenvolvido uma série de mecanismos pelos quais a classe dirigente cafeeira lograra transferir para o conjunto da coletividade o peso da carga nas quedas cíclicas anteriores” (p. 264)
O mecanismo usado até então de manipulação da taxa cambial era inviável porque os elevados estoques e as precárias perspectivas de financiamento fizeram o preço do café despencar. Acumula-se ai crises da oferta e da procura. Preço do café baixo e depreciação cambial da moeda externa fizeram com que o grosso das perdas fosse “socializado” com a coletividade por meio da alta dos preços das importações. O mecanismo do câmbio era inviável dada às consecutivas quedas dos preços do café estimuladas pelo crescimento da produção devido ao incentivo artificial que as desvalorizações geravam. Tampouco seria conveniente usar a expansão do crédito, uma vez que ela também geraria socialização de perdas, agravamento do desequilíbrio externo e depreciação da moeda, não obstante beneficiasse indiretamente o setor exportador.
Furtado afirma que o preço do café é dado por condicionantes do lado da oferta e não da procura, uma vez que ele observa que os preços durante a década de 1930 continuaram sem muitas alterações apesar da recuperação dos países industrializados. Além disso, o consumo de café por esses países também se manteve constante.
A garantia do menor preços de compra do café era ao mesmo tempo garantia de manutenção do nível de emprego no setor cafeeiro e nos setores ligados a este. Colher grandes sacas evitava a queda da renda do setor, mesmo com a queda do valor da moeda nacional de exportação. Estes dois fatores, juntos, evitavam os efeitos do multiplicador do desemprego em momentos de queda de preços como foi entre 1931 e 1939. Sob este ângulo, Furtado enxerga a política de defesa do setor cafeeiro como um verdadeiro programa de fomento da renda nacional, anticíclica e que colaborou para amenizar as quedas da inversões da economia brasileira no começo da década de 1930. Em 1933, período de maior colheita, por exemplo, as inversões líquidas brasileiras foram de 1 milhão de contos, mas, por conta dos estoques de café que somavam 1,1 milhão de contos, o total foi de 2,1 milhão, valor próximo aos 2,3 milhão de 1929. Sendo assim, Furtado conclui que a recuperação da crise internacional não se deu via fatores externos.

Capítulo 32. Deslocamento do centro dinâmico
Ao mesmo tempo que a política de defesa assegurava a manutenção da renda, ela também era responsável por um desequilíbrio na balança de pagamentos uma vez que com a expansão interna do crédito, as divisas criadas pelo setor exportador eram insuficientes para cobrir as importações. Este fator, aliado à fuga de capitais e à necessidade de correção do desequilíbrio por meio de forte baixa do poder aquisitivo externo da moeda reduziam ainda mais o coeficiente de importação da economia. Essa situação cria oportunidade inédita para o setor que produzia para a demanda interna. Esse setor oferecia melhores oportunidades de inversão e ele se torna preponderante no processo de formação de capital e o mercado interno se torna o principal fator dinâmico da economia brasileira.

A rentabilidade no setor voltado para o mercado interno foi beneficiada tanto pela demanda nacional quanto pelo corte das importações que represavam a maior parte da demanda no mercado interno e não no externo. Ao mesmo tempo o setor exportador registrava queda nos lucros, o que beneficia a migração dos capitais deste setor para o ligado ao mercado interno, que se tornara mais atraente. Mesmo com a limitada capacidade de importar equipamentos para se expandir esse setor aproveita intensamente a sua capacidade já instalada, segundo suposição de Furtado. Essa condição cria estímulos para a instalação de indústrias do setor de produção de bens de capital, mas a instalação desse setor em uma economia subdesenvolvida e dependente era complicado. Contudo, as indústrias já instaladas, de ferro e aço e cimento registraram crescimento a partir de 1931, o que demonstra que a economia brasileira encontrou instrumentos de enfrentamento da crise dentro de seu próprio sistema e mais, conseguiu fabricar parte dos materiais que precisava para expandir sua capacidade produtiva independentemente das importações. Segundo Furtado, entre 1929 e 1937 a produção industrial cresceu cerca de 50%, a produção primária para o mercado interno, mais de 40% e a renda nacional aumentou em 20%, dados que mostram como o Brasil conseguiu se recuperar da crise enquanto os Estados Unidos, por exemplo, teve um decréscimo na renda per capita no mesmo período.

“Crise e recuperação no Brasil”

CANO, W. (2001) Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. Campinas: Ed. Unicamp, 2002. Cap. 04: “’Crise de 1929’: soberania na política econômica e industrialização” (pp. 89-106)

Industrialização restringida entre 1930 e 1950: “Restringida, pois ainda não completou a montagem de suas bases técnicas, e, assim, é ainda fortemente dependente das divisas, do mercado e do excedente gerado pelo setor primário exportador” (p. 77)
A implantação da indústria antes de 1930 nos países da América Latina variou de acordo com o tipo de produto exportado, a dinâmica gerada por ele, das estruturas sócio-econômicas, mercado de trabalho, taxa de salários, capacidade de importação, produção das matérias primas utilizadas, urbanização e grau de protecionismo tarifário.
São necessárias condições políticas e econômicas para sustentar o processo de industrialização:
- Existência prévia de implantação industrial que dê conta da demanda em momentos de crise e estancamento das importações;
- deve haver divisas para bancar insumos e equipamentos ainda não produzidos nos país;
- vontade política por um Estado atuante e indutor do setor privado, que implemente instrumentos e políticas reativas à crise e que avance na industrialização para internalização de meios de produção;
- menores restrições internas frente a crises profundas para fortalecer o apoio político a esse processo;
Até a década de 1920 o mercado nacional era fracamente integrado e a política relativamente liberal do comércio exterior proporcionava um alto coeficiente de importação e a possibilidade de implantação de algumas indústrias. A demanda por bens industrializados era atendida por meio da produção nacional ou internacionais. Faltava à indústria nacional dinâmica suficiente para romper com o isolamento e conquistar o mercado interno para si, com exceção de São Paulo. A Primeira Guerra Mundial estancou as importações e deu a oportunidade de SP usar o excesso de produção para comercializar com o resto do país. Apesar disso, o estado não escapou da crise de superacumulação gerada pela crise da valorização cambial entre 1924 e 1926 que diminuiu a proteção à indústria e permitiu a entrada de produtos estrangeiros reduzindo o mercado das indústrias nacionais; além dos problemas gerados pela superprodução do café que inviabiliza os financiamentos dos estoques invendáveis.
A década de 1920, ao mesmo tempo, é marcada pela diversificação do setor de bens de consumo e de produção que dá condições para uma formação industrial mais ampla a partir da crise de 1929. A indústria registra, contudo, crises de sobreinversão e de exportação mesmo com coeficientes de exportação altos no país, a capacidade ociosa continuava alta. A solução apontada pelo autor seria uma maior autonomia para a reprodução ampliada da indústria. Contudo, junto da crise ocorre um ganho de desenvoltura nos bancos de capital nacional e incremento da rede ferroviária que ajudaria na integração do mercado nacional, além de reformulações no Estado frente à pressões setoriais e a favor de questões sociais envolvendo assalariados.  Em São Paulo a agricultura registrava crescimento do café e de outros produtos, com alargamento de sua fronteira agrícola.

A controvérsia sobre a crise de 1929 no Brasil e sua recuperação
Cano diz acreditar que no final da década de 1920 as condições econômicas no Brasil estavam amadurecidas para pressionar a sociedade a superar as crises que caiam sobre a economia. O autor vai além. Ele afirma que não foi a crise internacional que promoveu a transformação interna, só reforçou um processo que já estava em marcha. Apesar das pressões existentes o Brasil apenas consegue romper com a inércia dos países que seguiam as determinações norte-americanas por meio da política de Getúlio Vargas. As políticas de valorização do café e, posteriormente, e a política de defesa permanente asseguraram, por meio da manutenção e crescimento das taxas de lucro, até os primeiros anos de 1930 a acumulação no próprio setor cafeeiro dadas as barreiras dos investimentos na indústria pesada e a crise de sobreinversão industrial. O problema foi a superprodução que, nos primeiros biênios da década de 1930 bateram recordes. Os efeitos da crise, no entanto, prejudicaram o respaldo estatal aos cafeicultores. São Paulo, porém, não passaria pela mesma crise que os outros estados por conta da estrutura diferenciada em relação ao resto do país, como aponta Cano. “Suas estruturas produtivas, escalas de operação bem como suas relações sociais de produção apresentavam acentuados graus de diferenciação” (p. 96)
Celso Furtado coloca a intervenção do Estado na queima de sacas de café para sustentação da economia cafeeira por meio de financiamento através de crédito público. A questão do crédito foi alvo de críticas a Furtado. Um dos autores, Peláez alega que o recurso para esse mecanismo viera de impostos sobre exportações e não do crédito. Além disso, esse autor ortodoxo afirma que o responsável pelo déficit público se deu por conta das despesas do governo com a Revolução de 1932 e não por causa do financiamento do café. As críticas a Furtado são desfeitas por autores como Fishlow, Silber e pelo próprio Cano que contrapõe dados do saldo de papel-moeda e do orçamento do governo do período analisado por Peláez com um período maior que Cano usa para desmontar a argumentação do crítico de Furtado.
Cano ainda refuta as críticas de Peláez argumentando a favor da questão da transferência de renda do café para a indústria e do saldo da balança comercial durante a depressão. Sobre o primeiro ponto o autor cita Furtado e explica que a baixa na rentabilidade do café tornou infundável a manutenção de inversões ou reinversões de capital neste setor e trata como evidente o fato do surgimento de um novo canal, pela indústria ou em outros setores agrícolas, para a reprodução do capital. Peláez argumenta que o surgimento da indústria se deu por meio de capitais nacionais e estrangeiros não originários do café.
Já sobre o segundo ponto, Cano contra-argumenta a posição do crítico de que o saldo positivo da balança comercial ter sido o responsável pela recuperação da crise internacional. Para o autor foram determinantes internos que tiraram o país da crise uma vez que é preciso se atentar ao total das exportações atuando sobre a demanda efetiva e não apenas para os saldos da balança comercial.
Elementos que contribuíram para a rápida recuperação da economia: impostos que bloquearam a expansão de novas plantações; imposto em espécie e posteriormente em shillings sobre as sacas exportadas para financiar a compra de café para ser destruído; rígido controle de estoques; e a sustentação máxima do preço interno aliada ao financiamento da operação com recursos públicos e o constante déficit no orçamento do Estado foram medidas anticíclicas, evitando queda da demanda efetiva e reativando a produção graças à capacidade ociosa. Cortes das importações e pesada desvalorização cambial em 1931 abrandaram a crise industrial. São elementos que compuseram as condições para que, segundo Cano, se altere o antigo padrão de acumulação e, a partir desse momento, a indústria se torna o carro chefe da economia. É o que Furtado chama de “deslocamento do centro dinâmico”.

Aspecto contraditório do processo de substituição de importações:
11)      a contração da capacidade para importar reduziu as importações de bens de consumo;
22)      isso, junto com a política de sustentação do nível da renda, permitiu à indústria utilizar mais sua capacidade produtiva ampliando sua produção;
33)      o maior nível de atividade industrial reclama maior uso de matérias-primas, combustíveis e bens de capital;
44)      essa demanda derivada pressionará ainda mais a capacidade para importar e o balanço de pagamentos;


“Recapitulemos as pré-condições para o novo padrão. O capitalismo brasileiro nasceu com o assalariamento da economia cafeeira do Oeste Paulista, em meados da década de 1880. Deu importante passo desde o final do século e, principalmente, nos períodos 1905-1913 e 1920-1925, quando o investimento industrial sobrepassou de muito a demanda então específica da indústria nacional. O setor cafeeiro superacumulou capacidade produtiva principalmente na segunda metade da década de 1920; o de transporte ferroviário e o de cabotagem praticamente estavam implantados já antes de 1930; o bancário nacional já sobrepassara o movimento dos bancos estrangeiros instalados no país e mostrava plenas condições para uma decisiva expansão, que ocorreria nas décadas de 1930 e de 1940. Quanto ao Estado, também já dera algumas demonstrações de capacidade de intervir na economia, experiência que lhe seria bastante útil após 1929” (p. 106)