quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Resenha: CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. (Cap. 6)

 CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: UNESP/IE-UNICAMP, Cap. 6, 2002.


O autor dedica o capítulo à análise da crise monetária e da hiperinflação brasileira na década de 1980. Começando pela discussão se houve ou não a hiperinflação, dadas as diferentes interpretações do conceito e da realidade brasileira na época, Carneiro apresenta visões de diferentes trabalhos sobre o tema para debate-lo. Se fosse levado a risca, a hiperinflação não teria ocorrido no Brasil na opinião de uns por conta da não existência de substituição monetária radical da moeda nacional. Em discordância desse ponto, Carneiro alega que a maioria dos autores defende a existência desse fenômeno inflacionário elevado por que houve na economia brasileira a moeda indexada o que na prática gerou uma substituição monetária. Essa prática representou de maneira indireta a dolarização de nossa economia, segundo ele.
Após introduzir a discussão, Carneiro divide a década de 1980 em dois períodos para sua análise. O primeiro, referente aos cinco primeiros anos, começa com o esforço de ajustamento externo para se obter superávits comerciais e enviar recursos para o exterior. Este período é marcado pela redução da periodicidade das minidesvalorizações até se chegar em desvalorizações diárias em 1985 dada a aceleração da inflação doméstica. Além da política cambial, a monetária se torna mais recessiva por conta do foco na redução da absorção doméstica e a transferência de recursos reais para o exterior. A questão principal por detrás da inflação era a evolução dos preços do câmbio e dos juros e o efeito que eles tinham nas expectativas dos agentes. Para proteger o capital, empresários flexibilizam suas margens de lucro e, segundo Almeida & Novais, citados por Carneiro, “foi o aumento das margens de lucro das grandes empresas que constituiu o fator predominante de aceleração da inflação durante o período” (2002, p. 2010). Portanto, é viável admitir que a recessão não foi eficaz contra a elevação dos preços já que as grandes empresas encontravam, além de seu poder de mercado, um coeficiente para importar reduzido na economia brasileira, o que diminuía a concorrência com os produtos externos e aumentava a liberdade na fixação dos preços.
A moeda indexada se apoiava na correção monetária. Por conta disso, os bancos encurtam o prazo das aplicações e aceitam depósitos remunerados com liquidez imediata. Para isso, reduzem os empréstimos, de liquidez menor, e eles foram sendo substituídos por títulos públicos. Para se adaptar, o Banco Central precisou emitir títulos com prazo mais curtos indexados à correção monetária. Todo esse mecanismo têm consequências. Para os bancos, há a perda de capacidade de criação de moeda bancária, ou seja, a supressão do multiplicador bancário. Para o público há uma perda da diferença entre poupança e moeda, dado esse encurtamento dos prazos. E para o Banco Central a perda da capacidade de fazer política monetária, ou seja, “a capacidade de alterar a taxa de juros básica do sistema ou o nível de reservas do sistema bancário, a sua disposição de conceder crédito e, a partir daí, via mecanismos de transmissão, a trajetória de variáveis reais” (Carneiro: 2002, p. 213). O BC não consegue mais alterar a liquidez do sistema por meio da venda de títulos.
Nesse cenário, o Plano Cruzado teve o fracasso que teve porque não foi capaz de assegurar a estabilidade de preços após o congelamento. A manutenção desse congelamento teve consequências na taxa real de câmbio, apreciando-a. Mas essa revalorização só seria sustentável se o Brasil conseguisse reduzir as transferências de recursos reais ao exterior por meio de novos financiamentos ou renegociação da dívida, mas o cenário ainda era restritivo internacionalmente. Contudo, como aponta o autor, a questão principal era como recuperar o nível de gastos e investimentos sem ampliar o endividamento público junto ao setor privado, mas essa questão não foi considerada.
Carneiro afirma que o Plano Cruzado “abriu caminho à crescente explicitação da hiperinflação” (2002, p. 214).  Segundo ele, os elementos para caracterizar a hiperinflação estavam na financeirização dos preços e na polarização da riqueza financeira nas quase-moedas ou na moeda indexada. O autor explica que a aceleração dos preços foi tão rápida que começou-se a usar as taxas de juros de curtíssimo prazo (overnight) como critério para reajuste dos preços. Este processos é o que Belluzzo & Almeida (1990) batizaram de “financeirização dos preços”. Esse ‘fenômeno’ a formação de preços perdeu as referências com o processo produtivo concreto, ou seja, com os custos.

Há uma tentativa de reverter a situação com o Plano Collor e sua reforma monetária. O bloqueio da poupança e dos ativos e as demais ações tomadas pelo governo para a instauração da nova moeda gerou uma avaliação positiva, de que ela foi competente em restaurar algumas das funções da moeda nacional, apesar de não conseguir erradicar o regime de alta inflação, mas conseguiu deter a hiperinflação. A raiz do sucesso no combate à hiperinflação está, segundo Carneiro, no sequestro  da liquidez e nos critérios de correção monetária dessa liquidez. Houve deságio de vários títulos públicos e privados. A consequência disso foi que todos os ativos reais e de risco sofreram desvalorização, ou seja, a reforma evitou a explosão de preços dos ativos reais.

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