sábado, 6 de julho de 2013

Fichamento Florestan FERNANDES, cap 1

A longo prazo em qualquer nível ou esfera em que ocorresse estruturalmente, a integração nacional produzia efeitos que ultrapassavam o mero despojamento dos caracteres geteronômicos da antiga ordem social, conduzindo de fato à sua desagragação e à intensificação concomitante da formação de caracteres autonômicos típicos de uma sociedade nacional (33)

Dois aspectos:  I. maior envolvimento das elites rurais para a formação de uma economia nacional - absorção do liberalismo ideologia ligada ao processo de consciência social vinculado à emancipação colonial. Num cenário onde a elite se sentia “esbulhada” (explorada) pela colônia, o liberalismo obteve duas funções típicas: preencher a função de dar forma às manifestações contra o “esbulho nacional” propondo igualdade por meio da “emancipação dos estamentos senhoriais das limitações oriundas do estatuto colonial e das formas de apropriação colonial”; do outro lado teve a função de “redefinir (...) as relações de dependência que continuariam a vigorar na vinculação do Brasil com o mercado externo e as grandes potências da época” (34) “No fundo, porém, apenas encobria, através de ficções toleráveis, diversas modalidades evidentes de subordinação, que não seriam suprimidas nem alteradas, fundamentalmente, com a extinção do estatuto colonial” (34)
II. construção de um Estado Nacional: o Estado era meio para realizar a internalização dos centros de decusão política e fim porque afirmava e institucionalizava o predomínio político das elites e dos interesses internos. Liberalismo com nítido caráter intrumental.
“O Estado impôes-se como a única entidade que podia ser manipulável desde o início, a partir da stuação de interesses das elites nativas mas com vistas a sua progressiva adaptação à filosofia política do liberalismo”” (35)
O liberalismo, portanto, contribuiu para orientar o desenvolvimento da sociedade nacional uma vez que os senhores rurais precisaram aprender a tomar suas decições independentes do nexo colonial que os subordinava, porém, a estrutura criada continua ser, como Florestan Fernandes define, “heteronômica” ou dependente. Isso tudo sem afetar a vida social, a escravidão e a forma tradicional de dominação patrimonialista.

“Os antigos modelos patrimonialistas coninuaram a ter plena vigência ao nível do domínio senhorial propriamente dito (ou seja, da organização da economia escravista e das estruturas sociais que lege serviam de base) e, como irradiações locaos oiu regionais, ao nível das relações sujeitas ao prestígio pessoal dos senhores e ao poder de mando das grandes parentelas. Todavia, a organização do “poder central” fopi colocada num plano independente e superior, no qual aqueles models de domunicação se faziam sentir apenas de maneira indireta e condicionante (principalmente através de controles sociais reativos, que se vinculabam às opções feitas pelos representantes dos estamentos senhoriais no exercício do poder político). Estabeleceu-se, assim, uma dualidade estrutural entre as formas de dominação sagradas pela tradição e as formas de poder criadas pela ordem legal. (...) compelia as capamadas senhoriais a organizar sua domuniação especificamente política através da ordem legal, ao mesmo tempo que conferia ao “poder central” meios para impor-se e para superar, fradualmente, o impacto sufocante do patrimonialismo.” (37)

Portanto, sem perder-se de vista as limitações e deformações que sofreu numa sociedade e numa cultura tão avessas às suas implicações sócio-econômicas, políticas, intelectuais e humanitárias, e acentando-se que, ainda assim, ele só se constituiu em realidade histórica para as minorias atuantes dos estamentos senhoriais, o liberalismo foi a força cultural viva da revolução nacional brasileira. (38)

ideoligia liberal se equacionou historicamente, acima de tudo, como uma ideologia da emancipação dos elementos senhoriais da “tutela colonial” e só derivadamente, como interferencia inevitável, ela assumiu o caráter de uma ideologia de emancipação nacional.

“Graças à essa transformação, o elemento senhorial volta ao centro do palco, agora transfigurado em “cidadão”, que era no que o convertia, para os fins da organização do poder político, a ordem legal vigente. Assim, a ideologia liberal, inócua e excluída ao nível da dominação patrimonialista (pela persistência concomitante da escravidão, do mandonismo, do privatismo e do localismo), encontra na sociedade civil, nascida da Independência, uma esfera na qual se afirma e dentro da qual preenche sua função típica de transcender e negar a ordem existente” 39

Foi preciso uma dinamização das polarizações ideológicas e utópicas do liberalismo por meiode requisitos estruturais e funcionais de ordem legal (ou seja, constituição de 1824).”liberalismo adquire a qualidade e a continuidade de força politica permanente, embora sua influencia tópica fosse variável. (...) As normas constitucionais que regulavam os direitos de escolha e de representação, através de eleições primárias e das eleições indiretas bem como o poder de decisão inerente aos diferentes mandatos eletivos e a possibilidade aberta ao poder moderador de recrutar ministros e conselheiros de Estado entre deputados e senadores condicionavam uma tal concentração do poder político ao nível de privilégios senhoriais, que “sociedade civil” e “estamentos sociais dominantes” passaram a ser a mesma coisa.” (p. 40)

a chamada “massa dos cidadãos ativos” servia de pedestal e de instrumento aos “cidadãos prestantes”, a verdadeira nata e os autênticos donos do poder naquela sociedade civil.

Em que sentido a revolução política da Independência foi legitima? Legitimidade diz respeto a meridos ou fundamentos de uma posição privilegiada... foi legitimo porque a elite senhorial conseguiu assumir controle da ordem legal e dar rumo à constituição da sociedade civil? Que sociedade civil é esta que foi constituida?

Mudanças de estrutura (quando comparado a sociedade colonial com a imperial) em três níveis:
1) diferenciação dos papéis políticos do senhor, que se metamorfoseia em senhor-cidadão - significado estrutural-funcional: as probabilidades de mando do senhor, pela primeira vez, transcendem aos limites do domínio senhorial e alcançam o poder político especificamente falando;
2) formas de socialização que converteram privilégios sociais comuns em fonte de solidariedade social e de associação política. fica evidente a necessidade de integração a visão de mundo daqueles senhores que estavam organizados estamentalmente, sem relações com outros agentes. “A dominação senhorial alcança, dessa maneira, as formas de poder político da sociedade ‘nacional’ e passa a ser um dos fatoress mais importantes da integração de sua ordem social. Ele se transforma, portanto, em dominação estamental propriamente dita” (p. 42)
3)redução do espaço social dentro do qual as garantias sociais estabelecidas legalmente podiam e deviam ter vigência ou eficácia. “O liberalismo também se convertia em privilégio social. Ele fazia parte de concepções e ideais que se aplicavam a ‘relações entre iguais’ e, por isso, ficava confinado à convivência e ao destino dos membros dos estamentos dominantes” (p. 42)

Limitações histórico-sociais da revolução da Independência: impôs o império da dominação senhorial; mostra o caráter dúplice do liberalismo <”Representava a via pela qual se restabeleceriam, encoberta mas necessariamente, os nexos de dependência em relação ao exterior; desvendava o caminho da autonomia e da supremacia não de um Povo, mas de uma pequena parte dele, que lograra privilegiar seu prestígio social e apossar-se do controle do destino da coletividade. Todavia, ao lado desses aspectos sombrios, o retrato mostra a dignidade histórico-sociológica da Independência, como revolução política e social, e as funções construtivas do liberalismo” (43)

Sociedade civil é sociedade e nação para o senhor-cidadão
A democracia não era uma condição geral da sociedade. Porém, necessidade e recurso do equilíbrio, eficácia e continuidade da dominação estamental. O debate democrático tinha por fim estabelecer os limites de acordo (ou de desacordo) e as linhas possíveis de solução (ou de omissão) recomendáveis, suscetíveis de merecer a aprovação ou de obter o consentimento dos “cidadãos prestantes” e da parte socialmente válida dos “cidadãos ativos”. Por essa razão, a sociedade civil constituía o ponto de referência do debate político e encarnava, em última instância, o árbrito figurado que iria julgar ou estaria julgando o mérito das decisões” (44)

“a ordem legal perdia sua eficácia onde ou quando colidisse com os interesses gerais dos estamentos senhoriais e sua importância para a integração jurídico-política da sociedade nacional passou a depender do modo pelo qual aqueles interesses filtravam ou correspondiam às formas de poder político instituídas legalmente” (. 44)

Nação - interesses gerais dos estamentos senhoriais;
sociedade civil - formas de organização do poder político instituídas legalmente

Para objetivar-se e agir politicamente, no patrocínio de seus “interesses gerais”, os estamentos dominantes precisavam do aparato administrativo, policial, militar, jurídico e político inerente à ordem legal. E precisavam dele não privada e localmente, mas no âmbito da Nação como um todo (p. 45)

Sem dúvida, nenhuma revolução sepulta todo o passado de um Povo. Uma revolução que adquiriu conteúdo e consequências sociais por sua natureza política, estava dasada a projetar antigas estruturas sociais e um novo contexto político (p 46)
O liberalismo era força para sepultar o passado
Estado preenchia duas funções: 1) manter estruturas sociais para levá-las ao monopólio social do poder político; 2)expandir ou fomentar variáveis que formariam a sociedade nacional;

A estrutura do patrimonialismo permanecia a mesma, pois continuava a manter-se sobre a escravidão e a dominiação tradicional; O aparecimento de um estado nacional, a burocratização da dominação senhorial ao nível político e a expansão econômica subsequênte à Abertura dos portos colocavam em novas bases, contudo, as funções econômicas e sociais dos estamentos intermediários e superiores. 47

É esta área, ao mesmo tempo emaranhadamente ligada aos interesses senhoriais mas dinamicamente incompativel com seus modelos tradicionais ou políticos de dominação, que compeliu as elites no poder a superporem, à ordem tradicional vigente nos costumes e fortalecida pelos efeitos políticos conservadores da burocratização da dominação estamental, uma ordem contratual que se impunha pela nova posição do Brasil no sistema internacional do capitalismo comercial 48

liberalismo se impunha como um “momento de vontade indecisa”

expansão interna do capitalismo não foi uma escolha, no sentido literal, já que decorria de uma posição prévia do brasil na economia internacional, ela trazia consigo um presente e, com ele, um futuro. 49

conclusões das relações de expansão do Klismo: 1)motivações ideológicas do liberalismo eram primariamente econômicas e a penas implicitamente políticas; as utópicas eram diretamente políticas e só secundariamente econômicas - o que estava em jogo era a utopia; 2)realismo conservador e idealismo liberal são faces da mesma moeda; faziam parte da manutenção do monopólio social do poder político; 3) integração da sociedade nacional como idealismo politico

O País possuía, graças ao desenvolvimento sócio-econômico no período colonial e ao legado portugês, alguma unidade interna e fortes tendências para preservá-la. 50

Elites: 1) contavam com cultivo intelectual segundo padrões europeus; 2) tinham experiência politico-administrativa; 3) inconformismo irredutivel com independencia e construção do estado monarquico e realismo insofreável quanto à escravidão; 4) liderança; 5)diferenciação interna (52)

Esse aspecto dos dinamismos psicossiciais subjacentes à socialização das elites senhoriais é de extrema significação analítica, porque indica com clareza que a polarização nacional da dominação estamental rompeu, no plano político, os bloqueios que continuaram a prevalecer, indefinida e progundamente, ao nível doméstico, da unidade de produção e do mandonismo local. 53

não seria possível extinguir o estatuto colonial semn construir-se uma sociedade nacional; também não era possível a nova sociedade sem herdar dminensões da antiga ordem colonial.
- “A composição ou o amálgama com o passado possuía, portanto, cissuras e ‘avanços para a frente’ que não podem ser ignorados e que precisam, ao contrário, de uma compreensão que ponha em relevo os papéis construtivos logrados pelo ‘presente’, pelo ‘futuro’ e pelo ‘progresso’ nos processos perceptivos, cognitivos e pragmáticos dos agentes humanos, socialmente atuantes. “ (54)

Graças e através da Independência, Nação e Estado nacional independente passaram a ser ‘meios’ para a burocratização da dominação patrimonialista e, o que é mais importante, para a sua transformação concomitante em dominação estamental típica (55)

O desenvolvimento prévio da sociedade, sob o regime colonial, não criara, por sim mesmo, uma Nação. Mas dera origem a estamentos em condições economicas, sociais e politicas de indentificar o seu destino histórico com esse processo. 55

Funções inovadoras do momento da independencia: “transformação do horizonte cultural das camadas dirigentes; a reorganização do fluxo de renda e do sistema econômico; o aparecimento e a intensificação de mecanismos permanentes de absorção cultural; e a emergência da política econômicaI  como dimensão técnica da burocratização da dominação estamental” 56

Estamentos senhoriais não podiam exercer seu poder na colonia porque estavam submetidos à Coroa; só com o Estado nacional independente permitia essa “auto-realização” e a “expansão do patrimonialismo doméstico”

estamentos senhoriais reagem à nova situação assumindo novos papéis políticos na esfera da organização do poder

“...a implantação de um Estado nacional independente não nasceu de nem correspondeu a mudanças reais na organização das relações de produção” 61

A persistência de estruturas econômicas coloniais foi limitativa, sem dúvida, já que impediu qualquer mudança na concentração social da renda e qualquer correção de suas distorções. (...) Como os processos econômicos mais significativos para o crescimento ulterior se desenrolavam como consequência das transformações no modo de ordenar, dirigir e explorar os fatores econômicos (efeitos econômicos de um processo político: a grande lavoura libera-se dos entraves resultantes do estatuto colonial e organiza-se como força econômica), as alterações estruturais e dinâmicas mais relevantes ocorrem ao nível da reorganização do fluxo da renda e do seu impacto sobre a economia interna. 62

O país livrou-se da condição legal de Colônia, mas continuou sujeito a uma situação de extrema e irredutível heteronomia econômica. 62

Mesmo desaparecendo “os focos da heteronomia” economica na era colonial, ela foi substituida por novas formas. O fluxo de renda deixou de ser canalizado para fora e ganhou suporte social interno pelos senhores das lavouras e depois do comércio. “1º) a internalização do fluxo de renda forçou, de modo direto, a diferenciação dos papéis econômicos; 2º) ela também contribuiu para modificar a composição do sistema econômico” 63

Repercussões das transformações: I) liberaram comportamentos capitalistas antes sufocados pelo colonialismo; II) novas bases para a economia de mercado interna com novos e diferenciados consumidores e tbm pela especialização; III) recalibração econômica do comércio; 64

Reorganização interna do fluxo de renda faz senhores rurais ficarem competitivos entre si e com outros agentes econômicos; convertiam-se em agentes de transações comerciais, mas ainda viam na terra a fonte de riqueza e futuro da nação.

Problemas fundamentais tendo em vista a autonomização política como um complexo processo histórico-social:

1) aonomização é política. não houve revolução das relações de produção, mas sim preservação e fortalecimento das relações na grande lavoura. “O paradoxo está no fato de que a revolução nacional não resultou de uma recolução economica nem concorreu para forjar ideais de autonomia econômica que implicassem ruptura imediata, irreversível e total com o passado recente. Antes, consolidou e revitalizou as funções da grande lavoura, como pólo dinâmico da economia interna, servindo de base à referida expansão limite das estruturas econômicas coloniais” (72)

2) evolução histórica explica-se por questões internas. O mercado externo e o sistema internacional de poder só pressionam para o fim do estatuto colonial e se interessa pela autonomização política mantendo-se demais condições econômicas para garantir oferta de fatores de produção.


“imperativo histórico” - senhores usam do privilegio de suas atividades econômicas para reagir e promover a revolução da independencia mantendo o arcaico para proteger os niveis de produção e de exportação alcançados durante a colônia, balanceando sua polarização pessoal e social para não voltar a ser um aristocrata agrário (relacionado à estrutura de dominio das relações de dominação patrimonialista) nem evoluir apenas para um burgues agrário (posição de comerciante do excedente);

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